MARIA CLARA MOREIRA SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Minha audição parece estar em câmera lenta”, escreve uma fã do Disclosure nos comentários de “Holding On”‘, de Gregory Porter, no YouTube. Resultado de uma parceria entre o duo britânico de música eletrônica e o jazzista americano, a canção que abre o disco “Caracal” aparece de cara nova, despida de seus sintetizadores, distorções e batida frenética, em “Take Me to the Alley”, quarto disco do cantor, que chega ao Brasil no dia 23. “Trabalhar com o Disclosure foi uma experiência orgânica: eles me convidaram para ir ao estúdio gravar uma canção a meu gosto, e dessa balada montaram a faixa dançante”, conta Porter à reportagem, por telefone. A associação do músico com a cultura das baladas não é de hoje. Em 2010, o remix da faixa “1960 What?” fez sucesso na temporada de festas de verão de Ibiza, na Espanha. No ano passado, Porter apresentou a versão dançante de “Liquid Spirit” na ilha, onde foi eleito o artista mais popular da temporada pelo aplicativo musical Shazam.

“Não existe uma fórmula para fazer sucesso com o jazz. A colaboração com a música eletrônica funciona para mim porque, apesar das raízes no gospel e de comunicar arquétipos do gênero, minha sonoridade também é informada pela dance music”, afirma. “Colaborar não pode se transformar em truque para conquistar mais fãs —se visto assim, corre o risco de alienar a base fiel, hardcore do jazz.” É a ela que Porter acena em “Take Me to the Alley”, amálgama que amarra soul, gospel e R&B ao estilo musical que norteou sua carreira e no qual detém a marca de disco mais popular dos serviços de streaming, “Liquid Spirit”, com 20 milhões de reproduções. Desta vez bem longe das pistas de dança, as faixas estão mais interessadas em derramar sentimentalismo na comunhão melódica de piano, baixo e instrumentos de sopro. “Tento sempre escrever a partir de momentos de autorreflexão que ressoem também em outras pessoas. Nesse disco, a reflexão foi sobre a família, sobretudo meu filho e o trabalho social da minha mãe”, diz. É para o primeiro, Damyen, de três anos, que Porter entoa “Day Dream” e “Don’t Lose Your Steam”, louvando sua imaginação pueril e impelindo-o a seguir seus sonhos. Para a mãe, a pastora Ruth Porter, que provia comida e abrigo aos pobres até morrer vítima de um câncer de mama em 1991, ele oferece as comparações ao divino da balada “More Than a Woman”. Também há espaço para o comentário social de seus trabalhos anteriores, da exortação a protestos pacíficos contra o ódio e a injustiça (“Fan of Flames”) ao apelo por compaixão aos aflitos de “Take Me to the Alley”, faixa-título composta em Nova York durante a visita do papa Francisco à cidade. “Respeito todos os credos, o muçulmano, o judaico, o budista, mas fui criado como cristão. Os gestos humildes [do papa Francisco] me levaram a refletir, salientaram a mensagem que tento passar nas minhas letras”, diz. “Porque só vender discos não basta. Não estou interessado na música fabricada. É preciso comunicar algo genuíno —é isso que apela a mim em um artista.”