Nas interlocuções de Havana a realização de um plebiscito nacional para formalizar o respaldo dos colombianos ao processo de paz firmado por Juan Manuel Santos e por Timochenko não era uma exigência nem uma inevitabilidade. Era, apenas, algo a mais, uma maneira de dar alguma voz ao povo, que se transformou num risco desnecessário, embora as pesquisas de opinião indiquem que o mais provável é a vitória do sim (Opinômetro: 55%; Gallup: 68%; Ipsos: 72%) à pergunta que parte de uma afirmativa para concluir com uma hipótese: “Apoia o acordo final para o término do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?. 

Burocratas incorrigíveis, os negociadores decidiram que em 2 de outubro, um domingo, é necessário um umbral aprovatório de 13% do Censo Eleitoral. Parece um percentual baixo, mas significa que 4,4 milhões de votantes terão de marcar Sim, pois o total de votantes habilitados é de 33,82 milhões. O voto não é obrigatório e se prevê que apenas 50% dos colombianos comparecerão às urnas. Assim, existe a possibilidade de que o umbral seja atingido pelo Sim, mas que no total o Não triunfe. Como disse o presidente Santos, não se iludam. Não é que vamos voltar à mesa de negociação. Voltaremos à guerra. Ao que o senador Ruy Barcenas complementa: Seguiríamos num conflito armado eterno que já deixou 8 milhões de vítimas e 250 mil mortos.
Na oposição está o Centro Democrático do ex-presidente Álvaro Uribe, afirmando que não estamos contra a paz e sim por uma reorientação dos acordos e pedindo o inviável: que todos voltem a conversar e que a guerrilha peça perdão, aceite o cárcere sem o direito de participar da política tradicional como um partido regular. O governo repete que o aprovado em Havana é infinitamente melhor que seguir a guerra e é o melhor possível. As Farc terão membros no Congresso, com voz, mas sem voto.
Os seis pontos em torno dos quais está sacramentada a concordância dos dois lados são a reforma agrária, a participação política, o cessar-fogo, solução para o problema das drogas ilícitas, ressarcimento às vítimas e os mecanismos de verificação. As Farc iniciaram no último fim de semana seu X Congresso desta feita em campo aberto, em Llanos de Yarí, Departamento de Meta, junto à selva onde durante tantos anos permaneceram aquartelados, com uma grande festa. À noite a selva iluminada vibrou ao som do rock pesado e da cumbia da Banda Alerta Kamarada de Bogotá, desde o primeiro momento com Timochenko à frente. Os guerrilheiros abandonarão as armas se acreditarem que lhes será assegurada uma ampla anistia que não possa ser anulada em seguida, um meio de vida pelo menos para o médio prazo e a segurança de que não serão caçados e aniquilados por esquadrões da morte ou grupos rivais num processo de vingança executado às sombras.
Afora pequenas gangues criminosas, restam três grupos armados importantes no país: a guerrilha tradicional do Exército de Liberação Nacional (ELN) com cerca de 1.500 homens em armas; o Exército Popular de Liberação (EPL) que se especializou no narcotráfico na região do Catatumbo e o Clan del Golfo, ex- Úsuga, de Dairo Antonio Úsuga, o Otoniel, com mais de 3 mil integrantes e que até aqui mantém um trato com as Farc. Estas produzem a coca e o Clã se encarrega do processá-la e da exportação rumo aos EUA. Esses grupos são também financiados por impostos revolucionários, sequestro e extorsão, além da mineração de ouro. É possível que absorvam parte dos guerrilheiros das Farc que não fiquem satisfeitos com as condições de reintegração à sociedade oferecidas pelo governo ou que decidam permanecer como revolucionários ou bandidos.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional