Os abusos sexuais eram escancarados. Aconteciam na casa da avó, na casa do agressor, na cozinha e no quarto dele. No galinheiro da casa da avó. Na casa de Kaiuli, quando ele ia visitar a mãe dela. Agora, a menina já sabia que todas as vezes que o encontrasse teria de passar por aquilo.

O trecho retirado do livro O clube secreto da dor, da jornalista Ágatha Santos, parece sinopse de filme de terror/suspense. Mas é a atual realidade de 70% das vítimas de estupro, que são crianças, e em 85% dos casos meninas. E é apenas um, dos quatro relatos de abuso infantil que a autora inseriu em sua obra.

Ágatha se sentiu impactada por todas as histórias, chorou com os relatos, vomitou, teve pesadelos, ficou complexada com o assunto. Uma em especial me cortou por dentro, a de uma menina que foi estuprada pelo próprio pai desde os seis anos e ela sofreu com a síndrome do estocolmo, que é quando a vítima acaba se apaixonando pelo estuprador. É uma história difícil porque ela foi estuprada até os 19 anos de idade.

Ainda de acordo com a autora, é impossível que o comportamento da criança não se altere em casos assim. A principal característica é a desconfiança que elas desenvolvem, acompanhado do medo que criam de homens, o fato de não conseguirem socializar e a dificuldade em se desenvolver como outras crianças. Já em relação às entrevistas, que já são todas mulheres adultas, um ponto em comum: todas desenvolveram ódio pelo próprio corpo e não tem autoestima de forma geral.

Já no caso de Ana Clara Colemonts, 22, uma das fontes que relatou seu caso de abuso para o livro, os abusos sexuais que sofreu de um próximo de sua família, durante sua infância a fizeram crescer com um medo constante. Medo de encontrá-lo, de passar por alguma situação que a fizesse reviver o trauma, medo de homens e mais: abalou sua saúde mental a ponto de desenvolver ansiedade e síndrome do pânico.

Ana não denunciou seu agressor pela dificuldade de juntar provas e pelo fato de não querer se expor.De 92 mulheres que eu conversei, apenas uma o estuprador chegou a ser preso. No mais esses homens continuam soltos, a maioria nem chegou a ser processado porque elas só conseguem fazer alguma coisa quando são adultas, e aí o crime já não vale mais, então eles andam por aí, explica Ágatha.