A Bela e a Fera (1991), de Gary Trousdale e Kirk Wise, foi o primeiro longa-metragem de animação a concorrer ao Oscar de melhor produção do ano — acabou levando os de trilha sonora (Alan Menken) e canção original (Menken e Howard Ashman). Então foi com certa dose de apreensão que muitos receberam a notícia de que a Disney ia fazer uma versão “live action”. E os envolvidos em A Bela e a Fera, de Bill Condon, que estreia no Brasil hoje têm consciência disso. “A animação era perfeita”, disse a atriz Audra McDonald, vencedora de seis Tony, que interpreta Madame de Garderobe, em entrevista à imprensa. “Não acho que a Disney ou ninguém que participou queria consertar nada. A ideia era fazer uma reimaginação.”

Para o diretor, a única forma de dar certo era, primeiro, apostar no realismo, capturando, inclusive, a época (1740) e o lugar (França) em que o conto de fadas de Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve foi originalmente publicado. E isso se refletiu nas escolhas dos figurinos e do design de produção, por exemplo, mas também na transformação de pessoas em objetos animados, como é o caso do candelabro Lumière (Ewan McGregor), do bule de chá Madame Samovar (Emma Thompson) e do relógio Horloge (Ian McKellen).

Mas Bill Condon também queria trazer o filme para 2017, e só no “live action”, acredita, poderia acrescentar nuances que dão mais profundidade à história. Bela (Emma Watson), por exemplo, continua apaixonada pelos livros, mas agora também é uma ativista, que ensina outras garotas a ler numa vila onde isso não é permitido. “Não é fácil ser outsider, não é fácil ir contra o status quo. Mas ela faz isso com muita coragem”, disse a atriz, que interferiu bastante no roteiro para que suas ideias fossem refletidas — Watson é conhecida por suas campanhas feministas e literárias.

“Minha filha agora pede para os amigos doarem dinheiro para caridade em vez de ganhar presentes”, contou Audra McDonald. “E isso é por causa da Emma. Então sabia que sua Bela ia ser forte, independente e resgatar todo mundo no filme.” A nova versão também mostra por que Bela e seu pai Maurice (Kevin Kline) foram parar na vila e o que aconteceu com sua mãe.

A Fera (Dan Stevens), igualmente, é mostrada como um Príncipe sem coração antes de ser amaldiçoado — e o longa também vai ao passado para contar por que ele ficou assim. Até Gaston (Luke Evans) não começa como vilão. “Ele é o machão”, disse o ator. “Mas as rachaduras começam a aparecer quando ele é rejeitado por Bela.” Essas novas linhas narrativas influenciaram as três novas canções compostas por Alan Menken e Tim Rice — Howard Ashman morreu em março de 1991, mas alguns de seus versos que sobraram da animação acabaram sendo incorporados aqui.

Essa cara 2017 reflete-se, também, nos relacionamentos inter-raciais e no personagem Le Fou (Josh Gad, o Olaf em Frozen), o devotado companheiro de aventuras de Gaston, que causou muita polêmica com a revelação de sua homossexualidade, motivando boicotes de cinemas nos EUA e classificação indicativa alta na Rússia. Trata-se de uma cena mínima, de tom cômico. “Essa história é sobre aceitar as pessoas como são”, disse Condon. “E numa maneira Disney, estamos incluindo todos. Este filme é para todos, com todos.”

GRUPOS HOMOFÓBICOS ATACAM LONGA
O grupo evangélico American Family Association (AFA) faz campanha contra casamentos entre pessoas do mesmo sexo, aborto, pornografia e outras causas, o que os leva a boicotar várias empresas, como a Ford e a Pampers. A Disney é a nova escolhida pela associação. O live-action de A Bela e a Fera tem incomodado grupos fundamentalistas religiosos por causa do personagem gay que aparece no longa.

“Pais devem ser avisados que a Disney deu sinal verde para uma forte agenda LGBQ em um filme que atinge o mercado entre 5 e 11 anos”, declara a instituição.

O cinema Henagar Drive-In Theatre, na cidade de Henegar, no Estado americano do Alabama, não vai transmitir o filme A Bela e a Fera por causa do personagem gay LeFou.

Na página do estabelecimento no Facebook, uma mensagem indica motivações supostamente religiosas para a decisão. “Se nós não podemos levar nossa neta de onze anos e nosso neto de oito anos para ver um filme, nós não queremos assistir a ele. Se eu não posso sentar e ver um filme com Deus ou Jesus sentado ao meu lado, nós não temos que exibi-lo”, diz a publicação. Apesar de Henegar ter pouco mais de 2 mil habitantes, o post já passa das 4 mil reações.


UM E OUTRO

Confira cinco diferenças entre o live-action e a animação

Passado dos personagens
Há duas cenas que revelam um pouco mais do que já se sabia sobre a Bela e a Fera. O personagem principal passou por questões na infância que o fizeram ser um homem arrogante e, consequentemente, sofrer com a maldição da feiticeira. Além disso, todos sabem que a Bela não tem mãe, sempre foram ela e o pai. No entanto, até o filme de Emma Watson, não se sabia o por quê; agora sabemos.

Le Fou
Lembra-se desse personagem? Não? É o amigo de Gaston, que está sempre com ele. Na animação, ele passa despercebido, mas no novo longa ele é bastante marcante, além de ser o personagem gay prometido pelo diretor.

Muitas músicas
Claro que as músicas da animação de A Bela e a Fera são muito marcantes, mas no live-action há mais músicas do que no filme de 1991. Até mesmo a Fera tem uma canção para si.

Humor
O novo filme tem muitas piadinhas e momentos engraçados, mais raros na animação. LeFou é o responsável por vários deles. Os objetos do castelo, como Lumière, também dão uma graça a mais ao filme.

Diversidade
Além de LeFou ser gay e ter trejeitos mais femininos, há outro personagem com o mesmo estereótipo. Além disso, há vários atores negros no filme, algo que certamente não se vê na animação.