Ao longo dos últimos anos, com o agravamento da crise econômica e a consequente contenção de gastos apresentada como solução para o saneamento das contas públicas, o setor de saúde acabou sangrando. Subfinanciamento, falta de estrutura, falta de pagamento dos profissionais e até a escassez de materiais básicos são alguns dos problemas verificados por todo o país e que afetam fortemente aqueles que estão na linha de frente da saúde — enfermeiros, médicos e recepcionistas, entre outros.

E por estarem na linha de frente do atendimento, sofrem com a violência contra os profissionais da saúde, que são uma espécie de porta de entrada para o serviço. Não que o assunto seja novidade, mas porque, nas visões do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-PR) e do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), a escalada dessa violência levou a um cenário inédito, transformando o consultório médico quase que num ringue.
É noticiado quase que diariamente algum tipo de violência cometido contra algum profissional de saúde. São trabalhadores constantemente vítimas de violência, seja física, psicológica ou verbal, afirma Maurício Marcondes Ribas, corregedor-geral do CRM-PR. Não existem dados oficiais no Paraná, mas seguramente, se for feito um levantamento das várias unidades, todo dia vai ter uma queixa de alguma rusga entre paciente e o profissional de saúde, complementa.

De fato, são poucos os estudos sobre o assunto. O mais recente foi uma pesquisa realizada pelos conselhos de Medicina e de Enfermagem de São Paulo (Cremesp e Coren-SP). Os dados revelaram que 75% dos 5.658 médicos e profissionais de enfermagem entrevistados já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho. A maior parte dos casos ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como principais agressores familiares ou acompanhantes de pacientes, seguido pelos próprios pacientes, durante o atendimento. Os registros mais comuns são os de violência verbal, seguidos de agressão psicológica e, por fim, física.

Violência não é caso recente
Os dados do Perfil da Enfermagem no Brasil, divulgados em 2015 pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) ajudam a criar um retrato da situação no Paraná. Segundo a pesquisa, que abordou o tema da violência no trabalho, somente 33% dos enfermeiros no estado se sentem protegidos no ambiente de trabalho. Esse sentimento fica latente quando observamos que 67% dos 8.345 entrevistados apontaram já ter sofrido violência psicológica, que 19,6% revelaram terem sido vítimas de violência institucional e 13%, já ter sido alvo de agressões físicas.
Um outro estudo, mais antigo, é a tese de mestrado defendida pela pesquisadora Eliene Simões Cezar, da Universidade Norte do Paraná. Os dados, de 2005, mostram que a situação de violência a qual estão expostos o profissional da saúde não é novidade: entre os 14 médicos do serviço de urgência de um hospital de Londrina, 86% revelou já ter sido vítima de algum tipo de violência no trabalho. Entre os enfermeiros o índice é ainda maior, com 100% dos 33 entrevistados revelando já terem sido violentados. Os ataques, de acordo com a pesquisa, vão de xingamentos à pancadaria e até mesmo ameaças de morte.

Gênero — A questão de gênero também tem grande peso na violência contra profissionais da saúde, apontam o Conselho Regional de Medicina (CRM-PR) e o Conselho Regional de Enfermagem (Coren-PR). Entre auxiliares de enfermagem, técnicos e enfermeiros, elas representam 87% dos profissionais, com idade média entre 36 e 50 anos. Nas faculdades de medicina, também já são a maioria.
É muito presente a questão de discriminação por gênero. Somos uma população majoritariamente feminina e somos discriminadas por sermos mulheres, por nossa cor, por questão de peso, estética, afirma Simone Peruzzo. Hoje a mulher está entrando na medicina mais do que entrava, e ela atendendo pode dar ao paciente uma impressão e maior fragilidade, encorajando-o a abordá-la de forma mais agressiva, aponta Maurício Marcondes Ribas.

Situação é reflexo da atualidade brasileira
Para o corregedor-geral do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), a situação é reflexo do momento que vivemos em todos os segmentos da sociedade, com a banalização da violência. Ainda segundo Marcondes Ribas, o empobrecimento do país e o crescimento da taxa de desemprego geram uma angústia grande, fazendo aumentar as taxas de adoecimento da população. Sem o mesmo poder aquisitivo de outrora, contudo, essas pessoas acabam tendo de buscar ajuda no sistema público de saúde,
Estamos tendo uma migração de toda uma população para o sistema público de saúde. São pessoas que perderam o convênio, o emprego, perderam o poder de compra, afirma o médico. A população do SUS, que já é muito grande, vem então aumentando. Com isso, as filas ficam maiores e as vezes o número de profissionais habilitados não é o suficiente, o que gera uma expectativa de atendimento que não se concretiza e a partir daí surgem uma série de fatores que levam à violência, explica o profissional.
A coisa centralizou na questão financeiro, mas a saúde sempre teve problema financeiro. No discurso de qualquer político a saúde é prioridade, mas na verdade nunca foi, nunca foi. Isso que nos deixa mais angustiados, diz a enfermeira Simone Peruzzo, presidente do Coren-PR.
Paa ela, além de investimentos, os problemas da saúde também precisam de inovações, de ideias novas que combatam não só a falta de estrutura, mas também uma cedrta imobilidade do sistema.

 

Pesquisa com enfermeiros no Paraná

Se sentem protegidos no ambiente de trabalho 33%

Já sofreu algum tipo de violência psicológica 67%

Já sofreu violência institucional 19,6%

Já sofreu agressão física 13%

Fonte: Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) 2015