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GUILHERME GENESTRETI
CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Morto nesta terça (23), aos 89 anos, o ator Roger Moore vestiu o smoking do 007 colecionando alguns recordes: foi o mais velho, o mais longevo e o que apareceu em mais filmes oficiais. Foi também, até a chegada de Daniel Craig, o único intérprete inglês a dar vida a esse personagem que é a quintessência da Inglaterra.
Mas sua maior marca é também a de ter sido o mais fanfarrão de todos -o oposto da versão séria de Sean Connery.
Moore foi também o James Bond do Brasil. É ele quem aparece na pele do agente secreto duelando contra um oponente de dentes de aço em pleno bondinho do Pão de Açúcar em “007 Contra o Foguete da Morte”, de 1979.
O inglês assumiu o papel do espião com licença para matar após o escocês Connery, o primeiro, ter atuado em seis filmes (de 1962 a 1971), e o australiano George Lazenby ter vivido Bond em “007-A Serviço Secreto de Sua Majestade” (1969).
COMEÇO DA CARREIRA
Filho de um policial e de uma dona de casa, o londrino nascido em 1927 veio de uma família pobre. Serviu o Exército britânico durante a Segunda Guerra e iniciou a carreira artística no final dos anos 1940 como figurante em séries de TV.
A beleza clássica de seu sorriso largo, cabelos castanhos e olhos claros o ajudaria a ganhar trocados como modelo -foi garoto-propaganda de malhas de lã a pastas de dente- e também a galgar papéis importantes como ator de TV.
Durante os anos 1950 participou das series “Ivanhoé” (1959) e “The Alaskans” (1959), mas teve personagem mais destacado vivendo Beau, o primo britânico dos apostadores interpretados por James Garner e Jack Kelly na série “Maverick” (1957-1962).
Uma ironia fez com que o papel que alçasse Moore à fama tivesse a ver com Bond, ainda que não o personagem de 007 propriamente. Em 1962, o primeiro filme de James Bond, “007 Contra o Satânico Dr. No”, chegou aos cinemas e criou um frisson por histórias de espionagem.
No embalo, a TV britânica criou uma série com o mesmo tema “O Santo” e escalou Roger Moore como o protagonista, Simon Templar, um bon vivant que vive aventuras ao redor do mundo. A atração manteve sucesso enquanto esteve no ar, entre 1962 e 1969, e deu Moore bagagem suficiente para dar vida ao outro agente secreto, esse sim o mais famoso de todos.
MOORE, ROGER MOORE
Moore embarcou como 007 em 1973, quando os executivos da franquia precisavam dar outra cara aos filmes. A Guerra Fria, habitat por excelência do personagem, havia degelado, e a URSS já não metia mais tanto medo assim.
Entre 1962 e 1967, Sean Connery firmou-se o papel, ganhou sucesso e se tornou para lá de exigente. Em 1969, foi substituído pelo australiano George Lazenby, em “007 a Serviço Secreto de sua Majestade”, que se mostrou intransigente e um desastre na pele de James Bond. Dois anos depois, os produtores foram forçados a escalar Connery de novo, para “007 – Os Diamantes São Eternos”, não sem antes desembolsarem uma bolada para convencê-lo. Precisavam de um novo ator.
Vindo de “O Santo”, Roger Moore era a escolha mais óbvia como o novo 007. Sua performance emplacou, rendeu sete longas e uma passagem irregular pela franquia, com alguns filmes elogiáveis e outros realmente esquecíveis.
Sua primeira incursão, “Com 007 Viva e Deixe Morrer” (1973), já acertava o tom que Moore daria ao personagem. Se Connery era epítome da fleuma, o Bond que mal sorria, Moore contra-atacava com a fanfarronice.
Fanfarronice além da conta. Sua encarnação de 007 costumava fazer piadinhas de duplo sentido até mesmo em cenas de tensão, especialmente após derrotar algum capanga, o que, como muitos dos fãs puristas atestaram, se provou uma infantilização daquelas produções.
Os tempos eram outros e os vilões, mais inverossímeis. Sem a concorrência com os russos, sobrou para Moore enfrentar narcotraficantes entusiastas do vodu, matadores de aluguel com três mamilos, contrabandistas e empresários megalomaníacos.
O Bond de Moore também precisou enfrentar a concorrência de outros filmes de ação. Seus filmes são os que mais bebem da influência de outros gêneros, a começar pelo primeiro, “Viva e Deixe Morrer”, que incorporava elementos do “blaxploitation” (cinema de ação protagonizado por atores negros).
No ano seguinte, Moore enfrentou Christopher Lee, célebre por sua versão de Drácula, e seu lacaio anão no medíocre “007 Contra o Homem da Pistola de Ouro”; o filme colheu recepção negativa e botou o agente secreto em uma quarentena de três anos.
BOND NO BRASIL
Moore deu a volta por cima, em 1977, no filme que é provavelmente o melhor dentre os sete que fez no papel de Bond: “007-O Espião que me Amava”. Tinha a seu lado uma bondgirl de personalidade, a agente russa Anya, interpretada por Barbara Bach, ex-mulher de Ringo Starr, que não se limitava a ser o par bonito do 007.
Dois anos depois, contudo, Moore fez aquele que é muitas vezes considerado o pior longa de todos -justamente aquele que levou o agente ao Brasil: “007 contra o Foguete da Morte”. No país, Bond pegou um Carnaval de rua no Rio, passeou de táxi por Copacabana com seu português de gringo, deu um rolê pelos pampas e encontrou as cataratas de Iguaçu, pasme, numa Amazônia com pirâmides maias.
Mais absurdos nesse longa: a concorrência com “Star Wars”, que tinha lotado os cinemas dois anos antes, forçou o espião a ir até o espaço -no fim do filme, 007 salva o planeta depois de ter um quebra-pau numa zona sem gravidade.
Em 1981 veio “007-Somente para seus Olhos”, cuja trama de perseguição e espionagem seja o que talvez mais o aproxime dos longa de Connery. Os anos 1980, porém, botaram o personagem no piloto automático.
O esquecível “007 Contra Octopussy” (1983) fez Bond arrumar as malas para a Índia. Aos 58 anos, Moore se despediu do papel combatendo um magnata do vale do Silício em “007 -Na Mira dos Assassinos” (1985).
Uma curiosidade: uma cena de sexo no longa de 1985 parecia anunciar a aposentadoria de Moore como 007. O agente, que tradicionalmente ficava “por cima” naquela hora, dessa vez opta por ficar “por baixo” ao transar com Mayday, vivida pela cantora Grace Jones.
Além de mais velho, Moore foi também o mais longevo -viveu o personagem por 12 anos, um recorde- e aquele que fez mais filmes oficiais: sete.
VIDA PÓS-BOND
Nos últimos 32 anos, Moore não fez qualquer papel que rivalizasse com 007, mas colheu os louros da fama. Foi embaixador da boa-vontade da Unicef a partir de 1991 e ganhou o título de sir, honraria do Império Britânico, em 1999.
Nos últimos anos, sir Roger Moore se envolveu numa polêmica nas redes sociais que também tinha a ver com o personagem, mais exatamente com quem deveria ser o sucessor. Em sua opinião, afirmou que achava que deveria ser um ator “inglês inglês”, que muitos viram como uma alfinetada racista contra o ator negro Idris Elba, cogitado para o papel. Moore negou.
Com sua morte acontecendo no meio do Festival de Cannes, onde o ator veio em 1977 para exibir “007: O Espião que Amava”, a mostra europeia dedicou três minutos de silêncio em homenagem ao ator.
Moore foi casado quatro vezes, incluindo com as atrizes Doorn van Steyn e Luisa Mattioli. Ele deixa a viúva, Kristina Tholstrup, e três filhos do casamento com Mattioli.