SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A divulgação de conversas não relacionadas com investigações criminais está em desacordo com o princípio constitucional que garante a intimidade dos cidadãos. Quando a conversa se passa entre um jornalista e sua fonte, ela também fere o direto ao sigilo da fonte, garantido pela Constituição. O especialista em direito público e professor da FGV Carlos Ari Sundfeld ressalta que o princípio geral da Constituição que determina a publicidade de documentos de julgamentos do Poder Judiciário faz uma ressalva justamente para proteger a intimidade de cidadãos. “Se a gravação não tinha utilidade para a investigação policial, se não foi usada no inquérito, se era um contato entre pessoas que tiveram sua intimidade violada, há violação da regra constitucional.”

Segundo o advogado, a lei de interceptações telefônicas, embora determine que “a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial”, não detalha como pode se dar a divulgação dessas conversas. Para esse ponto, vale a norma constitucional, que preserva a individualidade. “No Brasil, perderam a noção do respeito à dignidade alheia”, afirma o advogado criminalista Alberto Toron, que defende a ex-presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) na Lava Jato. “Vejo com muita gravidade a divulgação da conversa de Reinaldo Azevedo. Acho de uma violência sem par.”

LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

Em relação ao direito de preservar o sigilo da fonte, a única exceção, segundo o juiz federal e professor universitário Pedro Novaes, é quando o jornalista também está sendo investigado. “O jornalista não pode ter como fonte só a madre Teresa de Calcutá. Se ele conversa com o papa Francisco ou com Fernandinho Beira-Mar para divulgar informação verdadeira e de interesse público, a Constituição o protege”, afirma o juiz, autor de “Tutela do Direito de Sigilo da Fonte Jornalística”.

Ao prejudicar o trabalho do jornalista, a divulgação da conversa também fere o direito constitucional de que o jornalismo seja exercido sem qualquer restrição, afirma a advogada Mônica Galvão, sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian. Para a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), a inclusão das transcrições em processo público “no momento em que Reinaldo Azevedo tece críticas à atuação da PGR” sugere a possibilidade de “retaliação ao seu trabalho”.

DANOS MORAIS

Maurício Barbosa Tavares Elias Filho, advogado da área civil, diz que a divulgação das gravações é ilegal e passível de indenização por danos morais. “No caso específico, se o episódio levou à demissão do jornalista, há até danos concretos.” Associado do escritório Porto Lauand, ele diz que o Judiciário costuma ser conservador ao interpretar danos morais apenas como medida reparatória. “Defendo que seja também punitiva e pedagógica, para mostrar a quem tem acesso a esses dados que há consequências se o sigilo e a privacidade forem violados.”