SÓ PODE SER REPRODUZIDA NA ÍNTEGRA E COM ASSINATURA
FERNANDA MENA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eles nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar sozinho.”
O relato de Felipe Lima, secundarista de Nova Olinda (CE), sobre a expectativa de seus pais analfabetos em relação ao futuro do filho dá título ao sensível documentário de Cacau Rhoden sobre ensino médio público no Brasil.
O setor é eterna “prioridade” dos governos, por ser estratégico para o desenvolvimento. Mas o fato de o Brasil estar sempre mal colocado em rankings internacionais de avaliação de alunos indica que a valorização é retórica.
É no desencontro entre os sonhos dos adolescentes brasileiros -82% dos que têm até 19 anos estudam na rede pública- e a baixa oferta de oportunidades a eles oferecidas que o filme se constrói, enquanto desconstrói a ideia, tão em voga, de meritocracia.
O longa abre mão da abordagem vertical de um punhado de casos e faz a feliz opção por um amplo panorama de estudantes secundaristas.
São dezenas de entrevistas com jovens de capitais e do interior das cinco regiões do país, dando voz aos menos ouvidos e mais interessados.
A diversidade de sotaques e cenários, evidenciados pela fotografia de aspiração poética, se contrapõe a um desejo comum de mudar o mundo, frustrado pela consciência de estarem expostos a uma educação limitada e limitante.
Educadores, psicanalistas, economistas e antropólogos elaboram esse conflito: o jovem pobre tem a infância e a juventude encurtadas por obrigações econômicas precoces, sua educação é instrumental. Com isso, tem seus talentos desperdiçados, o que reitera a desigualdade do país, aumentando seu custo.
“Nunca Me Sonharam” vai além do diagnóstico e parte para a apresentação de boas práticas promovidas, não por políticas públicas, mas pelo compromisso de educadores.
É assim na escola de Cocal dos Alves (PI), que conseguiu obter desempenho acima da média nacional mesmo num município com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do país.
Ou na escola fluminense em que o diretor formou um time de futebol com seus alunos mais “problemáticos” para se aproximar deles e ensinar a importância da dedicação para os resultados.
Como preâmbulo, o filme destaca o artigo 205 da Constituição: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Num momento de crise de um país que sempre se sonhou “grande”, “Nunca Me Sonharam” cumpre o importante papel de lembrar que certas premissas republicanas precisam, para serem efetivas, da colaboração e da cobrança de todos.

NUNCA ME SONHARAM
DIREÇÃO Cacau Rhoden
PRODUÇÃO Brasil, 2017, 10 anos
QUANDO em cartaz
AVALIAÇÃO bom