IGOR GIELOW SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A distância entre os cidadãos e o poder político é o combustível que alimenta o crescimento de movimentos nacionalistas e autoritários no EUA, e também é uma ameaça no Brasil. A afirmação foi feita pelo ex-presidente americano Barack Obama, que identificou como seu maior arrependimento no poder não ter sido capaz de aproximar pessoas em polos opostos do espectro político.

“Democracia é duro”, disse ele. “Fomos bem-sucedidos em evitar uma grande depressão [depois da crise iniciada em 2008, quando ele foi eleito], mas não foi tão rápido assim, e as pessoas foram cada uma para seu canto”, disse, acrescentando à lista de arrependimentos o chiste: “Não ter tingido o cabelo antes”.

Obama falou em um evento realizado em São Paulo nesta quinta (5) pelo banco Santander e pelo jornal “Valor Econômico”. Também respondeu a questões formuladas pela organização. Segundo Obama, a população americana se vê alijada da “Washington distante”. “Não é surpresa que movimentos nacionalistas, potencialmente autoritários, tenham feito progresso”, disse. O Brasil, completou, “também corre esse risco”.

O ex-presidente não citou nominalmente o sucessor, Donald Trump, mas criticou vários aspectos de suas políticas, como a negação do aquecimento global. Afirmou que a internet “tribalizou a política”, ajudando a instaurar “o melhor e o pior dos tempos.”

Obama fez uma defesa do capitalismo e, usando um clichê, ressaltou a necessidade de atender a quem ficou para trás na globalização. “Em um mundo em que 1% detém a riqueza, há instabilidade.” Citou como política possível o programa de universalização da saúde conhecido como Obamacare, que Trump tenta desmontar. “É meu maior orgulho”, disse, adicionando à lista outra realização que Trump ameaça, o acordo nuclear com o Irã, para ele exemplo de como a diplomacia pode prosperar. “Infelizmente, quando cheguei à Casa Branca, a Coreia do Norte já estava além, com um programa de armas nucleares. É um perigo real”, disse. “Não se resolve tudo com tanques e aviões.”

Segundo ele, não faltam “soluções técnicas”, mas sim políticas. Citou como exemplo a fome na África, que poderia ser resolvida em alguns países se os povos “não estivessem atirando uns nos outros”. O cachê de Obama, estimado em US$ 400 mil para um evento recente nos EUA, não foi revelado.

A plateia de cerca de mil pessoas pagou até R$ 7.500 por um ingresso. Mais tarde, Obama recebeu 11 jovens escolhidos pela fundação que leva seu nome para discutir temas como sustentabilidade. Um deles, José Frederico Lyra Netto, disse que Obama “queria saber o que cada um estava fazendo”. “Eu fiquei nervoso”, disse Lyra Netto, 33, que hoje se dedica só ao Acredito e à Rede de Talentos da Fundação Lemann, movimentos bancados por empresários graúdos.

Obama defendeu tolerância e a educação como base do desenvolvimento. Elogiou Cingapura e preferiu “não insultar” um país rico em recursos naturais, mas com educação pobre -o Brasil. O americano, que já havia feito as usuais citações futebolísticas usadas por estrangeiros em visita ao Brasil quando disse que seu então vice Joe Biden havia ficado com seus ingressos para a Copa de 2014 (e ainda se queixou de não ter vindo ao Carnaval), afirmou que “não se ganha a Copa do Mundo” se “você deixar metade de seu time para trás”, em referência à educação feminina e de negros.