DIOGO BERCITO, ENVIADO ESPECIAL
REYKJAVÍK, ISLÂNDIA (FOLHAPRESS) – Björk está de mudança. No álbum “Vulnicura”, de 2015, a cantora islandesa tinha construído seu lar musical entre dolorosas imagens que evocavam lagos envenenados, túneis de lava e areia movediça.
Com o lançamento de “Utopia” na sexta-feira (24), ela ergue agora uma outra casa e passa a morar dentro de canções marcadas pelo canto de passarinhos venezuelanos e pela brisa das flautas.
As aves gravadas no país-natal do produtor deste e de seu último álbum, Arca, e os instrumentos de sopro marcam o novo trabalho, assim como os violinos conduziam a narrativa de “Homogenic” (1997) e as vozes a capella determinavam sua “Medúlla” (2004).
“Utopia” tem a qualidade de seu próprio título: é um salto ao otimismo. Björk sobreviveu ao divórcio com o artista Matthew Barney, principal tema de “Vulnicura”, e o disco que agora entrega é inesperadamente feliz, como um gato de rua rolando na neve em Reykjavik.
As três primeiras faixas, em um total de 14, dão o tom do novo lar. “Arisen My Senses” inaugura a obra com uma delicada menção a um beijo, “apenas um beijo”. Na segunda, “Blissing me”, ela descreve dois amantes apaixonados “compartilhando MP3s” pela internet.
A canção seguinte, “The Gate”, descreve a transformação do “peito ferido” em um “portal” a partir do qual recebe e envia amor. “Estilhaçada em muitas partes que vão se reunir”, canta.
Há neste álbum toda a honestidade, às vezes incômoda, do restante da obra de Björk, somada a uma alegria quase eufórica, em uma batida de percussão sem ritmo regular. Mas, apesar do título, sua utopia admite concessões à ilusão de uma felicidade incondicional.
Mesmo tendo superado o ex, ela confessa em “Features Creatures”: “Sempre que vejo alguém da mesma altura que você penso estar a cinco minutos de distância do amor”.
Já em “Courtship”, sobre flertes, em um ritmo veloz como a dança do acasalamento de uma ave-do-paraíso, a islandesa discorre sobre o que chama de “sumo paralisante da rejeição”.
As menções ao divórcio e aos desencantos, no que parecem ser uma referência a Barney, ganham força no álbum a partir de “Sue Me” (“me processe, me processe”), em que Björk trata da “maldição” dos erros do pai, transmitida “à nossa filha, e à filha dela, e a filha dela”.
O encadeamento da frase acena a “Vulnicura”. Naquele álbum de 2015, a faixa “Quicksand” mencionava “minha continuidade, e a da minha filha, e a das filhas dela, e a das filhas dela”. Björk e seu ex-marido disputaram na Justiça a guarda da filha do casal, Isadora, de 15 anos.
Mas, ao contrário do disco anterior, Björk não sucumbe à dor e escapa, assim, da caverna escura em que gravou o clipe de uma de suas grandes canções de 2015, “Black Lake”.
Ela se despede na última faixa de “Utopia”, “Future Forever”, pedindo que o interlocutor “imagine um futuro”. Nessa canção, sustentada por sua voz, uma última palavra: “eterno”.

UTOPIA
AUTOR: Björk
GRAVADORA: One Little Indian Records
AVALIAÇÃO Ótimo