A música popular brasileira hoje (20) um dos seus maiores arranjadores. O maestro Miguel Cidras, responsável por grande parte dos arranjos das músicas de Raul Seixas, morreu numa clínica em São Paulo, quando se preparava para passar por exames médicos. Nascido em Montevidéu, no Uruguai, Cidras tinha 71 anos.

Além da parceria com Raul Seixas, Cidras trabalhou com artistas dos mais variados estilos, como Ney Matogrosso, Alceu Valença, Hyldon, Elba e Zé Ramalho, Tim Maia, Erasmo Carlos, Zé Rodrix e Sidney Magal. Cidras é autor do maior sucesso de Magal: ‘Sandra Rosa Madalena, a Cigana’.

Cidras acompanhou Raul Seixas em praticamente toda a carreira do roqueiro baiano. Se conheceram na CBS, no início dos anos 70, quando Raul era produtor dos artistas da gravadora. “Conhecia ele superficialmente. Até que ele me chamou para fazer o arranjo de ‘Ouro de Tolo’ quando foi contratado pela Phillips”, contava o maestro. A música, carro-chefe do disco de estréia de Raul Seixas, foi uma das mais tocadas em 1973, iniciando um relacionamento que iria ate o fim da vida de Raul, 16 anos depois, em 1989.

“O meu trabalho com Raul foi uma fantasia, uma coisa muito bonita. Ele falava que bastava dar um toque que eu entendia o que ele queria. Mas isso é por conta da molecagem dele”, dizia o maestro, rindo muito, e dando a entender que a processo de criação não era tão simples assim. Apesar de em sua fala pausada deixar claro que esta afinidade era fruto de um trabalho complexo, Cidras se esquivava de falar de sua importância na carreira do cantor. “Essa é uma pergunta que não posso responder. Não posso julgar o meu trabalho no trabalho de outro.”

Mas, didaticamente, explicava. “O trabalho de um arranjador é colocar uma roupa na música para que ela fique melhor. Para isso, tem que saber o que vai usar, para saber como ela vai ficar vestida. O crédito de uma gravação vai para o cantor, mas por trás dele tem todo um trabalho, do compositor, do arranjador, dos músicos.” Nem mesmo dizer qual trabalho considerava o seu melhor com o cantor ele admitia falar diretamente. Mas deixava uma brecha: “‘Gita’ (1974) é o melhor disco de Raul Seixas”.

Além de maestro e arranjador, Miguel também foi empresário do baiano por um curto período nos anos 80, mas a experiência não deu certo, como acontecia musicalmente. Gargalhando e fazendo um gesto explicativo, Cidras contava que se deu mal na atividade, mas que isso não comprometeu a amizade dos dois. “Estava tudo em casa”, dizia, rindo e tirando da carteira uma lembrança dessa época: um cheque de 1986 não descontado referente ao pagamento de um show do cantor.

Elis e medo – Cidras chegou ao Brasil, ainda jovem, em 1958 e a partir daí seu caminho se cruzou com o de vários artistas brasileiros. Foi Elis Regina, por exemplo que o levou para o Rio de Janeiro, no começo da década de 60. “Conheci a Elis menina, com 14 anos, cantando na Rádio Gaúcha de Porto Alegre, onde eu trabalhava, e acompanhei em suas primeiras apresentações. Depois que ela foi para o Rio, o pai dela veio para Porto Alegre me buscar, dizendo que ela se sentia só e para que fosse para lá acompanhá-la. Como naquele momento o rádio, que então contava com orquestras próprias, estava começando a perder espaço para a e televisão, resolvi ir. Também tinha o sonho de ir para o Rio. Morei 15 dias com a Elis e o pai dela”

A proximidade, porém, não resultou em trabalho conjunto. Não por vontade dela, que, já ficando famosa, o chamou para gravar. “Mas não fui. Tive medo. Sabe o que é medroso?” Medo que ele creditava à inexperiência: “Você pensa que é fácil chegar para enfrentar músicos que já são conhecidos e não sabem quem você é? Eles querem saber o que você sabe, se está pelo menos no nível musical deles. Quando um músico te chama de maestro é porque ele te reconhece a sua capacidade. É muita responsabilidade, isso assusta quando se está começando. Você não pode decepcionar. Tinha um músico, o Maciel Maluco, me assustava até pelo nome.”

Para Elis, não poupava elogios: “Antes, durante e depois dela, não teve no Brasil cantora como ela. Já apareceram milhares, mas nem uma se compara a ela.” Mesmo com uma ponta de arrependimento, ele acha que fez certo ao recusar o trabalho oferecido por Elis. “A cabeça é que manda. Se você tem medo de alguma coisa, tem que respeitar isso.”

Os problemas de saúde que enfrentava não tirava o humor do maestro, que ultimamente se preparava para algumas apresentações para relembrar alguns momentos de sua carreira. “Gosto muito de brincar de fazer brincadeiras. Quando a gente passa por um problema sério, descobre uma porção de coisas. O que adianta eu falar de meus problemas, de coisa séria?” Essa serenidade, segundo ele, refletia-se no seu trabalho: “quando eu vou fazer um arranjo sai muito mais fácil. Antes eu jogava coisa demais fora, ficava mudando, refazendo. Hoje, ele já vem pronto”

O local do velório e do enterro ainda não foram definidos pela família.