DIREITO E POLÍTICA
A Democracia requer nobreza
Carlos Augusto Vieira da Costa
Após disputas eleitorais acirradas, como as ocorridas recentemente em nosso país, não é incomum que a militância do partido derrotado, geralmente insuflada por seus representantes, seja levada a precipitar discussões sobre temas polêmicos ou questões até então mal resolvidas, a fim de não permitir que os vencedores se acomodem na zona de conforto e ganhem fôlego para se reorganizar. É o que no jargão da política se costuma chamar de terceiro turno.
No Brasil de ontem quem fazia isto muito bem era o Partido dos Trabalhadores, que tinha como estratégia oposicionista manter elevada e constante a pressão sobre o governo.
Todavia, o que se viu por aqui nos últimos dias, com pedidos de impeachment e intervenção militar antes mesmo do TSE proclamar o vencedor, vai muito além da larga margem de tolerância aceita pela lógica inspiradora dos regimes democráticos.
Impeachment, embora tenha previsão legal e expressa em nosso ordenamento jurídico, é sanção de extrema gravidade, e portanto inadmissível de ser cogitada com base em uma reportagem sensacionalista baseada em suposto depoimento de um criminoso confesso e sem fundamento documental ou qualquer outro indício de responsabilidade. Hoje, a rigor, estamos mais perto da lua do que de uma denúncia fundamentada contra a presidente eleita.
Já quanto à intervenção militar, seria até admissível do ponto de vista ideológico, tanto quanto o apelo a favor da revolução proletária, que figura no ideário programático de alguns dos nossos partidos de extrema esquerda. Contudo, uma e outra gozam do mesmo status de plausibilidade, com o agravante de já termos experimentado um regime militar, de memória não muito saudosa, sobretudo para aqueles que apreciam a liberdade e o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade.
Por tudo isto, chorar a derrota é humano, vaticinar tempos difíceis e apostar em um país dividido pode ser aceitável, mas tentar melar o resultado de um jogo ganho dentro das regras é negar a nobreza da democracia.
* Carlos Augusto Vieira da Costa Procurador do Município de Curitiba
SABER DIREITO
Crises empresariais
*Roberto Victor Pereira Ribeiro
O Bruxo do Cosme-Velho costumava dizer que o tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo. É a mais pura verdade, seja numa visão romântica ou prática. O tempo é dono da razão e dos fatos e, talvez, por isso, ao tempo Deus dá habeas corpus.
O empresário, gestor, CEO ou manager tem que se portar de forma muito sábia diante dos percalços em que sua firma se depara. Qualquer decisão estratégica tomada ontem, ou hoje, refletirá no futuro, seja na próxima hora, ou no próximo ano, um rendimento maior ou menor para a saúde de suas finanças, organização, imagem etc.
Infelizmente, a estatística hodierna nos mostra que a vida média das empresas gira em torno de 5 (cinco) anos. É mais comum do que pensamos uma empresa jovem cerrar suas portas antes ou no marco de cinco primaveras ou invernos, dependendo do gráfico da empresa. Daí porque urge a necessidade do empresário ter, em seus recursos humanos, a figura do consultor jurídico e contábil. Um planejamento tributário atualmente faz grande diferença na vida estável comercial.
Um dos maiores motivos que levam as empresas a fenecerem é o passivo tributário. Parece que virou praxe as empresas protelarem suas dívidas, injustificadamente, deixando-as na margem, aguardando futuros posicionamentos estatais em relação a anistias, parcelamentos, descontos etc. Alberto Oliveira, especialista da área, frisa: Os passivos tributários – sejam eles de origem fiscal, sejam eles de origem trabalhista ou previdenciárias – só se acumulam com o tempo, transformando-se em uma grande e desastrosa bola de neve.
Eis que surge o grande problema, a grande hecatombe empresarial: muitos acreditam que a falência resolve todo e qualquer deslize empresarial. Paradoxalmente a falência não encerra as dívidas, em oposto ela as mantém seguradas e acumulando cada vez mais passivos acessórios, quais sejam: juros, moras, correção, multas etc.
O tempo, neste caso, não conta a favor do empresário. Por isso, a estratégia a ser tomada ontem ou hoje – porque sempre há tempo para alinhamentos – deve ser a mais ponderada e razoável possível, sob pena de refletir em visão pro futuro um desastre econômico e social.
Faz-se mister assegurar a contratação, temporária ou definitiva, de um especialista da legislação e dos tributos e passar a tomar certas providências, dentre as quais: analisar mensalmente ou semestralmente a vida fiscal e trabalhista da empresa, atentos de que dívidas devem ser pagas e não colocadas à margem dos ativos; jamais colocar como capital de giro o valor dos tributos; buscar a prevenção e evitar ao máximo partir para o contencioso – pois agrega ainda mais despesas; pedir ao seu especialista que inicie a Compliance, ferramenta que avalia os riscos das empresas; fazer periodicamente auditorias nos setores da empresa – pode acontecer de existirem problemas que fogem ao conhecimento da diretoria-geral; ficar atento aos benefícios que as dividas concedem, por exemplo, uma notificação trabalhista se cumprida no tempo hábil, isto é, não extrapolando o vencimento, pode conferir um desconto de até 50% (cinquenta por cento).
Portanto, atenção senhores diretores, empresários, gerentes ou dirigentes: é sempre melhor prevenir do que remediar, ainda mais numa época em que os remédios estão cada vez mais onerosos. Ficar atento ao tempo e saber usá-lo a seu favor também é um interessante antídoto às patogenias empresariais.
*O autor é advogado, escritor e professor, assessor jurídico da Procuradoria-Geral de Justiça – CE, membro-diretor da Academia Cearense de Letras Jurídicas e pres. do conselho editorial da Revista DireitoCE Doutrina [email protected]
A CONDUTA E O DIREITO PENAL
Advogado que atua em inquérito onde a mãe é promotora
*Jônatas Pirkiel
Ao se ler o enunciado, de pronto, qualquer cidadão, mesmo não sendo advogado, promotor ou juiz, verifica que alguma coisa está errada. Porém, o Superior Tribunal de Justiça, em ação penal que foi relator o ministro Sebastião Reis Júnior, entendeu que não há nada errado! Concedeu o Habeas corpus para trancar a ação penal e mandou extrair cópia dos autos para encaminhar a Ordem dos Advogados para verificar se houve alguma conduta irregular do advogado que, sabendo ser sua mãe a promotora do Inquérito Civil, aceitou o patrocínio do investigado.
Situação estranha, apesar de rara, pois advogados, promotores e juízes, entre outros, sabem que o inciso IV, do artigo 134, do Código de Processo Civil, que se aplica também aos membros do Ministério Público, por força do inciso I, do artigo 138, do mesmo código, …impede o juiz de exercer suas atividades em processo no qual atue como advogado algum parente em linha reta ou colateral até o segundo grau…. Apesar da ressalva do seu parágrafo único que diz: …o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa, sendo, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz….
A regra é tão clara que se não houve a restrição legal, haveria uma auto restrição moral tácita, pois o processo, instrumento pelo qual se manifesta a jurisdição do Estado não é tarefa de casa, onde pais colaboram no aprendizado de seus filhos. Sendo muito raro que estas coisas aconteçam, onde as partes são traídas pela memória em razão das oportunidades processuais. Daí, o transtorno, o constrangimento profissional acabam saindo mais caro do que os honorários advindos da conduta, no mínimo antiética de que quer que seja.
Conceitos morais e éticos à parte, o ministro entendeu pela atipicidade da conduta: …nenhum dos dois fatos narrados na denúncia constitui crime, quando ela deixou de informar ao investigado sobre o impedimento do filho para advogar no feito ou quando direcionou ao Conselho Superior do Ministério Público sua suspeição, em vez de arguir o impedimento do filho…é óbvio o impedimento do filho para atuar no caso, mas a existência desse impedimento legal não gera a obrigação de a promotora comunicar a proibição ao investigado… …A hipótese não é de impedimento do órgão ministerial e sim do advogado. Caberia a ele [o filho], portanto, informar àquele que desejava contratar seus préstimos a impossibilidade de atuar no procedimento…
* O autor é advogado criminalista (jô[email protected])
ESPAÇO LIVRE
Direito à maternidade preservado
*Gabriela Guerra
O juíz Renato de Abreu Perine, da 17ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, sentenciou a Mediservice Administradora de Planos de Saúde a arcar com os custos de endometriose aguda da paciente Claudia Zappalenti. O tratamento recomendado pelo seu médico tinha sido a fertilização in vitro, mas a operadora tinha indeferido o pedido, em uma clara situação de falta de análise do caso – o que tem sido cada vez mais recorrente.
Já há algum tempo, temos acompanhado repetidos casos em que planos de saúde negam tratamentos a pacientes de forma incorreta. Tais operadoras agem, antes de mais nada, como empresas que visam exclusivamente o lucro, deixando o bem estar dos usuários e o direito à vida em segundo plano.
O plano de saúde negou o pedido de Cláudia com base em uma cláusula válida, que exclui métodos de inseminação artificial do rol dos procedimentos cobertos por planos de saúde, com a intenção de evitar que se use o tratamento como meio de planejamento familiar. No entanto, a cláusula abre precedentes para interpretação, uma vez que em casos como o de endometriose severa a fertilização funciona como um tratamento médico para a doença.
Além disso, a paciente corria o risco de ficar infértil e, ainda estando em idade de reprodução, isso violaria o direito garantido pela Constituição da mulher constituir uma família. Cláudia, portanto, não requeria o tratamento por simples vontade de ter um filho, mas sim por motivos de saúde.
A endometriose severa causa sangramento excessivo, cólica aguda e possibilidade de perda do sistema reprodutivo e a fertilização in vitro é apontada como a única forma de tratar essa doença. Como poderia, então, um plano de saúde, cuja função é propiciar tratamentos de saúde aos seus associados, negar tal procedimento?
Aplicar a vedação estabelecida em lei para o único tratamento apto a curar a doença ofenderia a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, disse o juíz em sua sentença. Afirmando que a dignidade da pessoa humana é o fundamento básico da Constituição, classificou como sendo de má fé uma interpretação literal do artigo 10, inciso II, da Lei no 9656, e ordenou que a operadora arcasse com os custos, ainda que o médico não fosse conveniado, sob pena de multa.
O caso da paciente era tão claro, que qualquer pessoa, ainda que leiga, pode perceber o erro na atitude do plano de saúde. A sentença do juíz só evidencia os interesses da operadora e as recorrentes ações de má fé. Certamente o caso de Cláudia não é o primeiro e nem será o último – e é lamentável que as pessoas ainda sejam obrigadas a recorrer à Justiça para obter o que lhes é de direito.
*A autora é advogada especializada em Direito à Saúde [email protected]
JURISPRUDÊNCIA
Candidato fora da vaga deve ser nomeado se, no prazo de validade do concurso, houver contratação precária para o preenchimento de vagas existentes do órgão
Alegações genéricas de ofensa ao artigo 535 do CPC impõem a aplicação da Súmula 284/STF. A ausência de prequestionamento da tese acerca do litisconsórcio passivo necessário atrai a incidência da Súmula 211/STJ. O acórdão recorrido foi proferido em consonância com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual deve ser reconhecido o direito subjetivo a nomeação aos candidatos aprovados fora das vagas sem concurso público se, no prazo de validade do certame, suceder contratação precária para o preenchimento de vagas existentes do órgão, em nítida preterição dos aprovados, o que impõe a aplicação da Súmula 83/STJ. A vedação contida nos arts. 1º, § 3º, da Lei 8.437/92 e 1º da Lei 9.494/97, quanto à concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública nos casos de aumento ou extensão de vantagens a servidor público, não se aplica nas hipóteses em que o autor busca sua nomeação e posse em cargo público, em razão da sua aprovação no concurso público (AgRg no AREsp 15.804/GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11/03/2013).
Decisão da 1ª Turma do STJ. AgRg no AREsp 373865 / PI (fonte STJ)
PAINEL
Saúde
Ainda que não prevista em lei, doença grave justifica que o beneficiário saque os recursos do seu FGTS. O entendimento é da 6ª Turma do TRF da 1ª Região.
Anuidade
Cabe ao procurador federal, e não a União, a obrigação de pagar a anuidade à OAB. O entendimento é da Turma Regional de Uniformização do TRF da 4ª Região.
Fiança
Cobrar fiança de morador de rua preso é ilegal. O entendimento é do ministro Luiz Fux, do STF.
Notarial
Acontece em Gramado- RS, de 16 a 20 de novembro, o XVI Congresso Brasileiro de Direito Notarial e de Registro. Estarão presentes importantes nomes do país da área do Direito, entre eles o Ministro Sergio Kukina (STJ) e o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Informações e inscrições https://www.anoreg.org.br/congresso.
Bispo
O TRT da 2ª Região condenou uma Igreja a pagar indenização no valor de R$ 100 mil a um ex-pastor que foi incentivado a fazer vasectomia com a promessa de ser promovido bispo.
Palestra
O professor Edgar Guimarães fará palestra hoje (05/11) sobre o tema A responsabilidade dos advogados pela emissão de pareceres jurídicos, no VI Congresso Catarinense de Direito Administrativo que acontece no Auditório do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). Funcionário de carreira do TCE/PR, Guimarães também é presidente do IPDA – Instituto Paranaense de Direito Administrativo.
Igualdade
O Conselho Pleno da OAB aprovou mudança em suas eleições internas. Serão adotadas agora regras para que as chapas contem com, pelo menos, 30% de mulheres em sua composição. A medida aplica-se inversamente a chapas majoritariamente femininas, visando igualdade de representação dos gêneros.
DIREITO SUMULAR
Súmula nº 455 do TST- À sociedade de economia mista não se aplica a vedação à equiparação prevista no art. 37, XIII, da CF/1988, pois, ao admitir empregados sob o regime da CLT, equipara-se a empregador privado, conforme disposto no art. 173, § 1º, II, da CF/1988.
LIVRO DA SEMANA
Direito à Saúde – Paradigmas procedimentais e substanciais da Constituição, publicado pela Editora Saraiva, propõe-se a examinar, à luz das diretrizes de precedência para o atendimento dos usuários do SUS, a atuação judicial na resolução de demanda pela cura individual, no âmbito das ações cominatórias. Alvaro Luis de A. S. Ciarlini — Direito à Saúde – Paradigmas procedimentais e substanciais da Constituição — Editora Saraiva, São Paulo 2014 |
COORDENAÇÃO: RONEY RODRIGUES PEREIRA
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