A VI Cúpula das Américas realizada em Cartagena de las Indias sequer conseguiu produzir uma declaração final conjunta dos Chefes de Estado que, consumidos por suas individualidades e por suas diferenças, desperdiçaram mais uma oportunidade de ação solidária. As razões para o malogro são várias. Por um lado, Barack Obama não estava lá para negociar qualquer assunto que lhe pudesse trazer prejuízos para as eleições que enfrentará em seu país em outubro, pelo que pressioná-lo agora por novos caminhos foi uma idéia, para dizer o mínimo, pouco feliz. Por outro lado, presidentes latino-americanos pouco experientes ou sonhadores escolheram uma série de temas espinhosos, em torno dos quais não havia qualquer consenso, condenando antecipada e inevitavelmente as conversações ao impasse. Os temas foram a despenalização das drogas, um perdão a Cuba e apoio à Argentina na questão das Malvinas/Falklands.
Ao final, de destaque restaram três acontecimentos, todos eles não incluídos na agenda dos trabalhos. O primeiro foi protagonizado pela equipe de segurança de Obama que não resistiu ao envolvimento com as afamadas (por sua beleza) prostitutas locais. O segundo foi a escapada noturna de Hillary Clinton para tomar cerveja e se distrair durante uma hora no bar Havana de Cartagena, onde o forte é a música cubana (a banda homenageou-a executando o mais alegre hino da ilha: Guantanamera). O terceiro teve como ator Evo Morales com suas declarações à imprensa de que é hora de as Farc se transformarem em partido político e sobre seu medo de perder o presidente venezuelano Hugo Chávez, revelando que este, na mensagem da Semana Santa pediu a Cristo: não me leve ainda. De qualquer maneira, o saldo para o país promotor, a Colômbia de Juan Manuel Santos, foi excelente, por ter ascendido ao status de país líder na região e por ter finalmente aprovado o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, que entra em vigência já em 15 de maio próximo.
No lado oposto do quadrante político estacionaram os principais perdedores da Cúpula: os países centro-americanos que nos últimos anos foram transformados em violentos corredores de transporte de drogas que vêm dos Andes rumo ao México para serem contrabandeadas e por fim consumidas por viciados norte-americanos, e de armas que percorrem o caminho inverso. Não constitui qualquer novidade a constatação de que a atual estratégia de combate às drogas, fundamentada na destruição de cultivos e na interdição, é um rotundo fracasso, exigindo imediata reinvenção. A UNODC, Agência das Nações Unidas para as Drogas, continua fornecendo informações de reduzido impacto sobre produção e consumo mundo afora. Os números são sempre quase os mesmos e não sofrem influência das políticas de combate da ONU, dos EUA, da Europa ou de quem quer que seja. No World Annual Report de 2011 lê-se a curiosa constatação de que a queda na produção de ópio e heroína em 2010 se deveu a uma praga nos cultivos de papoula no Afeganistão, sem lembrar dos milhões de dólares que são gastos para erradicar os cultivos nos campos afegãos. Quanto à cocaína, cuja oferta global tem se mantido estável, as 865 toneladas produzidas continuam vindo da Colômbia com 52%, do Peru com 35% e da Bolívia com 13%.
O duro combate, financiado pelos EUA, ao narcotráfico, teve como resultado num momento inicial o deslocamento dos cartéis da droga dos países andinos para o México, onde o presidente Felipe Calderón colocou 50 mil homens em armas durante os últimos seis anos com a proposta de livrar o país dessa praga, obtendo um efeito contrário traduzido no assassinato de 50 mil pessoas pelos cartéis de Sinaloa, Los Zetas e dezenas de outros. A solução foi apertar o torniquete militar nos estados mexicanos mais afetados. Com isso, os traficantes optaram por concentrar suas atividades no triângulo centro-americano composto por Guatemala, Honduras e El Salvador, transformando-os num inferno. Sem saída, o primeiro mandatário guatemalteco, Otto Pérez Molina, teve a ousadia de propor a despenalização de algumas drogas e a gradativa legalização de outras. Seu argumento é de que não há como controlar a crescente falta de segurança sem atacar as causas essenciais do consumo das drogas principalmente na América do Norte. Como de costume, a região imediatamente rachou. Daniel Ortega da Nicarágua, Mauricio Funes de El Salvador, Manual Zelaya de Honduras e Ricardo Martinelli do Panamá rechaçaram a idéia sem apresentar qualquer alternativa. Laura Chinchilla da Costa Rica apoiou firmemente, o México e a Colômbia disseram estar dispostos ao debate admitindo que a guerra aos cartéis não os levou a nada. Uma vez que a própria região mais afetada não sabe o que quer, saiu de Cartagena sem apoio. O mesmo aconteceu com Cristina Kirchner que, irritada porque nem a deixaram falar direito sobre as Malvinas, retirou-se antes do final das reuniões. A presidente brasileira pouco participou, ficando boa parte do tempo trocando impressões em voz baixa com o boliviano Evo Morales e ao final desculpou-se com Juan Manuel Santos por também ter de retornar logo, cancelando o encontro pessoal que haviam previsto. Embora a previsão de uma nova Cúpula das Américas daqui a três anos, é provável que esta tenha sido a última.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional