Ulisses fez-se amarrar no mastro de seu navio para não ceder ao canto das Sereias; antes disso, prudentemente, mandou toda a sua tripulação fechar com cera de abelha os ouvidos reservando para si a audição e o risco. Os gregos sabiam que se as sereias cantam devem ser ouvidas mas não, necessariamente, seguidas.
Isso contesta o atual hábito de “cancelamentos” aplicados discricionariamente a todos que dizem, escrevem, cantam ou fazem algo que contraria cânones aceitos sem nenhuma reflexão pelos grupos que se arrogam direitos inquisitoriais.
Parece simples recusar direito de fala a quem pode ameaçar nossas certezas, mas é apenas infantilidade de avestruz, que segundo a lenda esconde a cabeça para não enxergar o perigo. Existem muita narrativas e crenças questionáveis mas apenas podem ser eficazmente questionadas se forem ouvidas, do contrário imergiremos num diálogo de surdos, cada qual com sua verdade e ninguém com o mínimo de conhecimento.
Mecânica Quântica é um ramo da Física extremamente complexo e compreendido de fato apenas por acadêmicos e estudiosos da área. Mas em nossos tempos de ideias “prêt-à-porter” o termo foi apropriado pelos mais diversos usuários, então temos cabelereiros quânticos, moda quântica, e muitos outros culminando no “coach” quântico. A proposta desse, digamos, profissional tem até relação com um conceito real daquela ciência, a constatação de que a observação altera o observado, no caso aplicável ao estudo de partículas subatômicas mas trazida para o universo da autoajuda. Então, numa lógica enviesada, poderia ser suposto que “observando” nossa vida com uma postura adequada conseguiríamos modificá-la de acordo com nossa vontade ou necessidade. Variadas correntes psicanalíticas fazem ou tentam fazer isso, embora geralmente com maior seriedade e realismo: autoconhecimento e autoaceitação como caminho para minorar o sofrimento pessoal; nada a ver com o autoengano proposto nas pajelanças quânticas.
Depressão é uma doença mental, talvez a de maior incidência atualmente, definida, diagnosticada e tratada por profissionais; mas não é a ela especificamente que nos referimos. Falamos do pessimismo, possivelmente uma de suas vertentes, e do seu oposto, o otimismo.
Numa simplificação: pessimistas esperam o pior, em quaisquer circunstancias estarão preparados para que tudo dê errado, ou pelo menos que tudo não dê tão certo, e quando, numa situação perfeitamente normal, algo falha sentem-se confortados pelo acerto de suas previsões. Otimistas esperam o melhor, mesmo contra a lógica e as probabilidades, acreditam que dará tudo certo.
Dentro do princípio não escrito das profecias autorrealizadas, há uma tendencia real de que pessimistas tenham menor sucesso do que otimistas.
Essas características de personalidade, a menos de casos realmente patológicos, provavelmente decorrem de uma forma seletiva de memória: todos têm sucessos e fracassos de vários tipos e intensidades, todos passam por situações embaraçosas, todos brilham eventualmente em alguma aula ou reunião. A diferença está na interpretação, o otimista lembrará preferencialmente seus sucessos e usará estas lembranças a seu favor como uma garantia de repetição, o pessimista estará trancado no fracasso passado que o condena ao fracasso futuro. Num universo estatístico amplo a constatação provável seria de que o número de situações positivas e negativas se iguala, variando sua memória e interpretação.
Evidentemente, não se trata de casos extremos, verdadeiramente trágicos como doenças e desastres graves, ou positivos como grandes prêmios de loteria, amores verdadeiros e outras maravilhas que a vida provê eventualmente. Sobre isso, a Mecânica Quântica não tem o que dizer, mas a ideia de que se possa alterar a realidade através da melhoria de quem a vive, por meio do estudo e aperfeiçoamento espiritual, tem seu mérito.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.