
A Câmara Municipal de Curitiba aprovou hoje, em votação simbólica, uma moção de protesto contra o 1º Encontro de Enfrentamento à Violência Policial do Paraná. Organizada pelo Centro Acadêmico Hugo Simas, do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a atividade reuniu pesquisadores de direitos humanos, familiares de pessoas mortas pela Polícia Militar do Paraná (PM-PR) e outras pessoas da sociedade civil. Por 15 a 6 votos, os vereadores julgaram que houve exageros no debate, que extrapolaram o direito à expressão.
Proposto pelo vereador Eder Borges (PP), a moção de protesto está embasada em uma notícia a respeito do encontro, que ocorreu três dias antes, em um sábado. A moção destaca três frases ditas durante o evento como motivos para o protesto: “a polícia tem que acabar”, “ninguém tem que ser preso” e “a polícia trabalha para matar”. “A moção não é agravo ao ato, nem à universidade, tampouco generalizei a Universidade Federal do Paraná, seus alunos ou professores. São frases que colocam a população contra a polícia”, justificou Borges.
A moção cita uma quarta frase, “policial bom é policial morto”, dita pela presidente do Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol), Valquíria Tisque, que, no contexto da notícia, é um exemplo, utilizado por ela, de como as três anteriores soam ofensivas à categoria. “(Aquelas frases) são afirmações ameaçadoras, como ‘policial bom é policial morto’”, disse a dirigente sindical. Elogiado por Eder Borges, Professor Euler afirmou não ver problema no texto da moção e que “toda profissão tem os bons e os maus profissionais, logo não é possível criminalizar a polícia como um todo em razão do comportamento de um ou outro policial”.
O contraponto à moção foi feito pelos vereadores Dalton Borba (PDT), Maria Leticia (PV), Giorgia Prates – Manda Preta (PT), Angelo Vanhoni (PT) e Professora Josete (PT). Em resumo, esses parlamentares argumentaram que as falas destacadas na notícia estão descontextualizadas, uma vez que foram proferidas por mães e pais cujos filhos foram mortos pela Polícia Militar do Paraná em situações que as famílias alegam ser de abuso da autoridade policial. “É evidente que a polícia merece respeito. Mas é da natureza do protesto popular o debate acalorado, não raro falas extrapolam a razoabilidade, mas isso está longe de ser criminalizado, notadamente quando parte de pessoas que foram vitimadas pelo sistema”, disse Borba.
“O que me preocupa nem são mais os alunos, mas a Reitoria da UFPR que permite um evento deste nível, que é a mistura da liberdade de expressão com a libertinagem. Esses bundas moles que atacam a polícia são os primeiros a ligar para o 190 para qualquer problema da vida deles”, disse Rodrigo Reis (União), que viu na participação do deputado estadual Renato Freitas (PT) no evento um ponto negativo. “Ele é sem-vergonha e defende bandido, que é diferente de defender o fim da violência policial”, acusou Reis.
Contrários à moção dizem ser “absurdo” censurar mães cujos filhos foram mortos pela PM
Argumentos dessa ordem foram discutidos por Angelo Vanhoni, no esforço para convencer Professor Euler a mudar de posicionamento, pois na opinião do vereador a redação vaga da moção de protesto tinha outra intenção. “É um subterfúgio, Euler”, disse o petista. “A proposta tem um conteúdo ideológico claro. As coisas estão ligadas. Tem uma ideologia de extrema direita que está querendo se apropriar (da polícia), de qualquer forma, abdicando da razão. A mulher que teve um filho assassinado e foi chamada para falar disso tem o direito de falar que não concorda com a polícia e, agora, nós estamos fazendo uma moção de repúdio à fala dela. Isso é absurdo”, defendeu Vanhoni.
Professora Josete foi na mesma linha, opondo-se à generalização sobre a Polícia Militar, mas criticando a moção por criminalizar “mães e pais que expressaram seus sentimentos, sua dor e revolta”. “É correto que seu filho desarmado seja morto pela polícia?”, questionou a parlamentar. “Tirem meu nome dessa moção”, pediu Maria Leticia, acrescentando que “o compromisso da segurança pública deve ser com a vida de todas as pessoas”. Não dá para ver a violência como algo útil, algo funcional [nas forças de segurança]. Ela é sempre destrutiva, nunca é aceitável. É tolerável que ocorram chacinas, onde os policiais que deveriam proteger se tornam assassinos? O número de civis mortos em confronto aumentou 14% de 2021 para 2022 [no Brasil]”, alertou a parlamentar.
Respondendo à fala de Osias Moraes, sobre a Câmara de Curitiba “não fugir do debate”, a vereadora Giorgia Prates concordou em trazer os familiares que participaram do evento na UFPR para falarem no Legislativo. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, ela rebateu as críticas ao deputado Renato Freitas, elogiando a disposição dele em ouvir as famílias atingida pela violência policial. “Pais e mães estavam ali no evento para falar das suas vivências, temos que ouvi-los, pois se elas estão neste lugar, foi o Estado que as colocou ali”, frisou a parlamentar.
“Não é possível falar de segurança pública sem que os direitos de todos sejam garantidos”, opinou Giorgia Prates, defendendo que “compete ao Estado resgatar a harmonia entre direitos humanos e segurança pública”. “Qual é o problema das comunidades falarem sobre a violência policial? Essas frases foram ditas como um grito de socorro”, apontou, em contraste com afirmação anterior do Professor Euler, cujo argumento prevaleceu no plenário. “A mãe tem todo o direito, e está certíssima em ir a um ato desses e fazer a sua reclamação contra esse policial [que matou o filho dela], mas não de forma generalista crucificar ou criminalizar toda a polícia, toda a autoridade policial”, tinha dito o vereador.