Papa Francisco na Bênção de Páscoa. Imagem: Vatican.va
Papa Francisco na Bênção de Páscoa. Imagem: Vatican.va

O mundo amanheceu em luto nesta segunda-feira com a notícia da morte do Papa Francisco, aos 88 anos, no Vaticano. Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa jesuíta e o primeiro latino-americano a ocupar o trono de Pedro, deixa um legado de simplicidade, compaixão e firme compromisso com os pobres, os marginalizados e a Casa Comum. “Sua última Páscoa, celebrada ontem, foi marcada por mensagens intensas sobre reconciliação, paz e solidariedade, selando uma trajetória pontifícia profundamente enraizada no Evangelho vivido” ressalta Ana Beatriz Dias Pinto, professora de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Desde sua eleição em 2013, Francisco conquistou o coração de católicos e não católicos com sua maneira direta, afetiva e coerente de anunciar a Boa Nova. “Com uma linguagem acessível e uma postura acolhedora, tornou-se um símbolo de renovação da Igreja no século XXI”, ressalta a teóloga. Sua última aparição pública foi na bênção do Domingo de Páscoa, em 20 de abril de 2025, quando, visivelmente fragilizado, ainda saudou os fiéis com sua tradicional bênção “Urbi et Orbi”. Nela, pediu orações pela paz mundial e reforçou a importância do cuidado com os pobres e com os migrantes — temas que atravessaram todo o seu pontificado.

Páscoa como centro de sua espiritualidade

A Páscoa teve, ao longo de seu ministério, um significado profundo. Francisco via na Ressurreição de Cristo o núcleo da fé cristã e uma convocação à esperança ativa. Em suas homilias pascais, repetiu incansavelmente que “não há cristianismo sem cruz, mas também não há cruz sem ressurreição”. Em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, celebrou a Páscoa diante de uma Praça São Pedro vazia, em silêncio, iluminada apenas por velas — cena que se tornou símbolo de resistência espiritual diante da dor global.

A espiritualidade pascal de Francisco não se restringia ao calendário litúrgico: estava presente em sua atuação pastoral. Ele propôs uma Igreja que sai de si mesma para encontrar o outro; uma Igreja “hospital de campanha” para os feridos da vida. Na sua última mensagem pascal, disse:

“Cristo ressuscitado nos antecede na Galileia do mundo: nos hospitais, nas fronteiras, nas prisões, nos lugares onde a vida grita por dignidade.”


Documentos e reformas instituídas por Francisco: fé traduzida em ação

Francisco foi autor de quatro encíclicas que marcaram sua visão de mundo:

Lumen Fidei (2013), sobre a luz da fé;

Laudato Si’ (2015), um apelo urgente à conversão ecológica;

Fratelli Tutti (2020), sobre fraternidade e amizade social;

Dilexit Nos (2024), sobre o amor como fundamento da missão cristã.

Além disso, promoveu reformas significativas na estrutura eclesial:

• Reformulou a Cúria Romana;

• Estabeleceu mecanismos rigorosos de transparência financeira;

• Incentivou a nomeação de mulheres para cargos de liderança;

• Reorganizou os ritos dos funerais papais, aprovando em 2024 uma liturgia mais simples, despojada de pompas, coerente com seu estilo pastoral.

Primeira grande viagem: o Brasil e a juventude

Uma das primeiras e mais simbólicas viagens de seu pontificado foi ao Brasil, durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013, no Rio de Janeiro. Ali, lançou sua mensagem aos jovens: “façam bagunça, saiam às ruas e sejam protagonistas da mudança”. O Papa que se recusou a morar nos aposentos papais tradicionais se fez próximo de multidões com um sorriso sincero e gestos concretos de acolhimento.

O adeus a um pastor da misericórdia

Com a morte do Papa Francisco, a Igreja entra em período de sé vacante. O Colégio dos Cardeais será convocado nos próximos dias para o conclave que elegerá o novo sucessor de Pedro. A expectativa global é que o legado de Francisco influencie a escolha de um novo pontífice que continue promovendo os valores da inclusão, da paz e da justiça social.

O corpo do Papa será velado de forma discreta, como ele próprio determinou. Em vida, pediu que seu funeral fosse simples, com ritos litúrgicos centrados na fé e sem os símbolos de poder temporal. Uma decisão coerente com quem, desde o início, se apresentou apenas como “o bispo de Roma”.

“Podemos afirmar que Francisco foi, para muitos, o ‘Papa da Páscoa’, pois foi um pontífice que anunciou que a vida vence a morte, que a esperança deve ser maior do que o medo e que a fé precisa ser vivida em atos de amor concreto. O mundo se despede de um pastor que não apenas falou de Cristo, mas que procurou vivê-lo — no sorriso, nos silêncios, nos gestos proféticos, no diálogo, na inclusão e nas cruzes do cotidiano”, conclui a professora Ana Beatriz.