
Curitiba ganha, de forma oficial, uma nova escritora a partir desta sexta-feira (11 de julho). Na ocasião, Fabiana Polli, de 43 anos, lançará seu primeiro livro na Livraria da Vila, no shopping Pátio Batel, a partir das 19 horas. A obra, chamada “Cadeados Mentais”, traz histórias diversas sobre o sistema prisional, falando de uma não só sobre quem vive, mas também sobre quem trabalha dentro dos presídios.
“O livro é uma homenagem ao policial penal, ao pessoal da segurança pública. O preso, nesse meu livro, é coadjuvante. Um enfoque bem diferente, porque ouvimos falar muito dos presos, mas do policial penal, poucas pessoas falam. Você vê jornalista, pedagogo, psicólogo falando sobre. Mas polícia falando de polícia, não tem muito”, afirma a escritora, que é de Santa Catarina, mas há 30 anos vive em Curitiba.
Ao todo, a obra se divide em sete capítulos, com dois contos sendo apresentados ao leitor. São coisas que a autoria viu, ouviu, viveu e também criou com sua imaginação, mas que trazem à tona a realidade do sistema prisional brasileiro. Com destaque par as histórias dos “antigão”, que são os agentes penitenciários (hoje policiais penais) mais antigos, com mais tempo de carreira.
“Tem um capítulo até em que eu menciono e homenageio eles [os ‘antigão’], que falam muito do sistema, contam as histórias mais antigas, sobre a antiga Penitenciária Central, o antigo presídio do Ahú… Trago um pouco dessas histórias. Não é um livro em que eu falo de mim, né? Não é uma história apenas minha. Eu falo de uma profissão e trago muitas coisas sobre a estrutura, de como é uma cadeia, como tudo funciona, como que ela é por dentro e por fora”, diz ainda a policial penal.
“O interesse pela função não é nata”
Formada em Direito, Fabiana Polli atua há 17 anos no sistema prisional paranaense, com passagens por unidades como a Penitenciária Feminina do Paraná e a Penitenciária Estadual de Piraquara. Formada em Direito, ela conta que o interesse pela carreira como agente penitenciário não é algo nato, mas que a profissão é viciante.
“Não existe uma criança que fale que vai ser agente penitenciário, não é algo instintivo. Ninguém sonha em ser agente penitenciário, é só algo que acontece mesmo”, comenta a escritora, que trabalha como estagiária no Ministério Público quando resolveu participar de um concurso público para a categoria, a partir da sugestão de uma professora após ser anunciado um certame.
“Eu ainda respondi ‘tá louca?! Trabalhar na cadeia?!’, e a gente até deu risada. Mas no fim fiz o concurso, e aí é aquele negócio: você diz para você mesmo ‘vou ficar um pouco, até passar em outro concurso’. E quando você vê, passaram-se 10, 15, 20 anos… É um vício mesmo. Apaixonante, não tem rotina. É bem louco, uma adrenalina constante, porque você está sempre ligado, no instinto de segurança mesmo. E isso é viciante, uma catarse”, aponta ela.

Mudanças na carreira e os ‘Cadeados Mentais’
Ao longo de sua trajetória, Fabiana acompanhou as transformações pelas quais o sistema penitenciário passou ao longo dos últimos 10 anos. A mais expressiva delas, diz a autora, foi a transformação dos agentes penitenciários em policiais penais, com esses policiais passando a cuidar da gestão do sistema prisional.
“Hoje somos policiais penais, totalmente diferente de agente penitenciário. Temos atribuições que não tínhamos: escolta, muralha, portar um fuzil, uma .40, que é a arma institucional. A parte de treinamento mudou totalmente: o nosso curso de formação era de 30 dias, agora são três meses. E nós estamos nos adaptando a essa realidade”, cita ela.
O nome do livro, inclusive, surgiu a partir de uma conversa sobre essas transformações e sobre como isso impactou a vida dos ex-agentes penitenciários.
“Tem guarda – como chamamos o agente penitenciário – que nunca vai virar polícia e não tem o que fazer. Ele não tem aquela aptidão, o perfil para ser policial. E pensando em como transpor essa barreira, numa conversa com um amigo, pensamos que tinha de romper um cadeado, porque não adianta romper a grade se o cadeado ficar. Os cadeados mentais, então, dizem respeito à mentalidade do policial penal, essa mudança de chave.”
Os presos que “fugiram” para dentro da cadeia e o mistério do médico infanticida
Entre as diversas histórias que conta em sua obra, Fabiana Polli destaca duas.
Uma delas é a de dois presos, o “Poca Vista” e o “Serrinha”, um deficiente visual e o outro, louco. Os dois resolvem construir um túnel para fugir de uma unidade de segurança máxima, e o plano parece estar dando certo após anos de “esforços”. Só que eles não imaginavam que, na realidade, o túnel que fizeram com tanto esmero acabaria caindo dentro da própria cadeia.
“E, de fato, em uma unidade, chegaram a ser construídos 16 túneis simultâneos para uma fuga. Foi por pouco, um triz, que acabaram descobrindo. E acontece que alguns túneis realmente davam para a área externa, mas outros caíam na área interna. Então quem fosse por esses túneis, ia fugir para dentro da própria prisão”, diz a escritora, citando sua inspiração para o conto ficcional.
A outra história, também baseada em fatos reais, é a de um médico acusado de matar os dois filhos. Enquanto o promotor de Justiça diz que o suspeito teria matado propositalmente, a defesa argumenta que o que houve foi um excesso medicamentoso. “Tem toda uma trama e no final ele acaba se matando tomando um monte de remédio. Mas fica uma dúvida, porque há indícios de que também pode ter sido a mulher dele e ele, para tirar a responsabilidade dela, assumiria a culpa”, antecipa ela.