Mowgli. Ou Mogli. O menino que escapou da morte ainda bebê. O menino que foi criado com os lobos. O menino que é um grande amigo de uma pantera e de um urso, ao mesmo tempo em que é o alvo da fúria de um tigre. Essa história foi contada pelo escritor Rudyard Kipling, em 1894, e virou desenho da Disney em 1967. Agora, ganha uma produção caprichada (da mesma Disney), com estreia nesta quinta-feira (14). Trata-se de Mogli, o Menino Lobo.

A grande questão é: qual Mogli será apresentado ao espectador? Por incrível que pareça, há diferenças gigantescas entre ambas. O Livro da Selva de Rudyard Kipling é uma coleção de histórias do escritor nascido em Bombaim, publicadas em revistas de 1893 e 1894. Oito delas são dedicadas a Mowgli (com “w” mesmo). Já o Mogli do desenho da Disney (sem “w”) compila pontos de três das oito histórias e cria um roteiro novo — com bastante liberdade artística, claro.

A diferenciação na grafia do nome é apenas a primeira dissonância.

Nas histórias de Kipling, uma criança de dois anos (Mowgli) escapa das garras de um tigre manco (Shere Khan) e vai parar na toca de um casal de lobos. Acaba acolhido na alcateia por influência da pantera Baghera e do urso Baloo, que invocam antigos códigos de honra. Os códigos são aceitos pelo lobo líder, Akela. Shere Khan jura vingança e fomenta os lobos a abandonar o menino quando um enfraquecido Akela perde a liderança da alcateia. Mowgli é raptado por macacos — e salvo por Baghera, Baloo e pela cobra Kaa — e vai morar numa aldeia de homens antes do confronto final com Shere Khan. Os contos de Kipling têm como principal destaque o código de conduta dos animais, pois eles se organizam e têm valores morais e regras de coexistência. O tigre é malvisto exatamente porque quebra regras — caça humanos, por exemplo, e por prazer, não para se alimentar. Pelo mesmo motivo, os macacos são desprezíveis; e não têm um líder.

No desenho da Disney, Baghera acha Mogli, ainda bebê, na Jângal, e o leva para ser acolhido por lobos. Ele fica lá por 10 anos, mas um dia a alcateia percebe que não pode protegê-lo do tigre Shere Khan (que não é manco) e pede a Baghera que o leve para a aldeia dos homens. Não existe uma preocupação tão acentuada com o código da Jângal. Em vez disso, os animais ganham mais importância e há mais situações tragicômicas. Os macacos que capturam Mogli têm um líder, o Rei Louis, que promete proteção ao menino em troca do segredo da flor vermelha dos homens: o fogo. O resgate fica por conta apenas de Baloo e Baghera, munidos de um plano bizarro. A cobra Kaa vê em Mogli um delicioso petisco e tenta capturá-lo duas vezes. E, no confronto final com Shere Khan, Mogli é ajudado por um quarteto de urubus.

O filme de Jon Favreau (o mesmo diretor de Homem de Ferro) tenta se equilibrar entre um e outro. Por um lado, usa mais elementos d’O Livro da Selva no roteiro — a cena da água escassa e os búfalos, por exemplo. Assim como na obra de Kipling, o filme dá mais espaço aos lobos que acolhem Mogli. Por outro, procura seguir o desenho animado. E, assim como no desenho da Disney, o longa de Favreau investe nos animais e no visual. A Jângal do filme é deslumbrante. E os bichos do filme, todos criados em CGI, têm as personalidades de seus dubladores, todos atores renomados (ver quadro). Assim como na Jângal, Mogli — interpretado pelo ator indiano Neel Sethi — é o único humano de verdade  no pedaço.

Então… Mowgli ou Mogli, qual mesmo será apresentado no filme? Cabe ao espectador conferir.


OS PRINCIPAIS BICHOS DA JÂNGAL

RAKSHA (voz de Lupita N’Yongo)
Na obra de Kipling: Loba que, ao lado do Pai Lobo, acolhe Mowgli. Defende a ideia de que a alcateia deve mantê-lo. Ajuda-o em outras histórias.
No desenho da Disney: Loba que, ao lado do Pai Lobo, acolhe Mogli. Sai de cena quando o conselho de lobos decide levar o menino à aldeia dos homens.

BALOO (voz de Bill Murray)
Na obra de Kipling: Urso experiente, que ensina a Mowgli todas as leis da selva em tom professoral. Não teme ninguém. Salva-o uma vez.
No desenho da Disney: Urso atrapalhado, mas experiente. Ensina a Mogli todas as leis da selva, porém quer mesmo é se divertir com o menino.
BAGHERA (voz de Ben Kinsley)
Na obra de Kipling: Pantera que paga um touro abatido ao conselho dos lobos, para que abriguem Mowgli. Torna-se sua consciência na selva. E é fêmea.
No desenho da Disney: Pantera que salva a vida de Mogli, ainda bebê, ao achá-lo e deixá-lo com os lobos. Depois, aceita a tarefa de levá-lo para junto dos homens. E é macho.
REI LOUIS (voz de Christopher Walken)
Na obra de Kipling: Não aparece em nenhuma história com Mowgli. Os macacos que raptam o menino não têm um líder.
No desenho da Disney: Orangotango que lidera os macacos da cidade fantasma. Promete proteger Mogli em troca do segredo da “flor vermelha” dos homens.
KAA (voz de Scarlett Johansson)
Na obra de Kipling: É uma cobra píton “do bem”: ajuda Mowgli em três situações-limite — o rapto dos macacos, um conflito com a cobra branca e a luta com os cães.
No desenho da Disney: É uma cobra píton “do mal”: ludibria Mogli duas vezes e quer fazer do menino uma belíssima refeição.

SHERE KHAN (voz de Idris Elba)
Na obra de Kipling: Tigre que manca, temido na Jângal. Falhou ao caçar Mowgli quando ele era bebê e promete que um dia irá matá-lo. Difama-o junto aos lobos.
No desenho da Disney: Tigre que diz não ter nada contra Mogli, mas teme que ele cresça um dia e o persiga. Quer evitar isso matando o menino primeiro.