A Ásia, berço da civilização e terra de todas as tradições rendeu-se neste começo de outubro aos encantos e à poesia do casamento de Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, o quinto Rei Dragão do Butão (31 anos), com a plebéia Jetsun Pema (21) numa cerimônia budista plena de glamour realizada em Punacka Dzong, o mais sagrado dos monastérios, construído no século XII às margens do rio Mo Chu na antiga capital e, nesta época do ano, mais esplendoroso do que nunca graças à sua beleza arquitetônica e, em toda volta, ao lilás da floração dos jacarandás. Não vieram reis, princesas, altas autoridades estrangeiras, mas a explosão de cores nas roupas e nos adereços dos 700 mil butaneses espalhados pelos jardins, por certo rivalizou em charme com o casamento do príncipe William e Kate Middleton que comoveu o Reino Unido e o mundo em abril último.
R5, como é conhecido Jigme Khesar, por ser o quinto rei desde 1907, na simplicidade que lhe permite caminhar nas ruas e conversar com os súditos numa terra onde a criminalidade quase não existe, é querido pelo povo que se orgulha por entrar aos poucos na era da modernidade. Espremido entre a cordilheira do Himalaia, a China, a Índia, Bangladesh e o Nepal, o Butão tem assumido uma posição de neutralidade nos conflitos regionais desde que foi admitido na ONU em 1971, mas na prática é um aliado da Índia para onde exporta mais de 80% de sua produção. Quem o visita imediatamente se dá conta da dominante presença indiana no comércio, nos automóveis, nos sinais de trânsito escritos também em inglês. A poderosa China, com seus 9,6 milhões de km2, nunca foi capaz de submeter ao seu domínio esse minúsculo território de apenas 470 km2. Os dois países não mantém relações diplomáticas e a fronteira está fechada praticamente desde 1951, quando os chineses ocuparam o vizinho Tibete. As tensões são permanentes, mas prevalece na lembrança coletiva a afirmação de Jawaharlal Nehru, de que qualquer agressão ao Butão seria uma agressão à Índia.
Butaneses e tibetanos constituem quase um mesmo povo, dividindo idioma, os costumes e a religião baseada no budismo mahayana (carruagem) que segue os ensinamentos do Buda Sidarta Gautama nos caminhos para a iluminação. O Butão é um país que cultua tradição, budismo e felicidade. No trono desde 2008, o rei Jigme Khesar Wangchuck herdou um país mais aberto de seu pai, Jigme Singye, o criador do FNB – Felicidade Nacional Bruta – em contraposição ao PNB – Produto Nacional Bruto. Sem se constituir em um índice numérico, o FNB tem quatro pilares que constituem a base concreta dos planos de governo: desenvolvimento sustentável, integridade cultural, conservação do ecossistema e boa governança.
Várias organizações internacionais têm procurado reproduzir os conceitos do FNB butanês por meio de índices quantitativos. O Gallup World Pool, que entrevista milhares de pessoas em 155 países para saber se estão satisfeitas com suas vidas, colocou Dinamarca em 1º, Finlândia em 2º, Brasil em 12º, Burundi e Togo em último. Já o site www.nationmaster.com/ contenta-se com uma só pergunta feita em 50 nações: considerando todas as coisas juntas, você pode dizer que é muito feliz, um pouco feliz ou infeliz?. Os islandeses lideram com 94% de positividade e o Brasil está em 25º com 59%. Críticos desses métodos argumentam que eles ignoram liberdades políticas e são por demais subjetivos, mas isto é o óbvio. Afortunadamente ainda não é possível enquadrar a felicidade e o amor.
Enquanto isso, no Butão a vida prossegue em boa paz, apesar de que, entre 183 países, seja o 125ª. em termos de PIB per capita (US$ 2.069/ano contra 10816 do Brasil e 108952 do 1º, Luxemburgo). Foi o primeiro em todo o mundo a declarar-se livre do tabaco, transformou-se em uma monarquia parlamentar e em 2008 afinal elegeu um primeiro-ministro, J. Thinley, adepto do esporte nacional: o arco e flecha. A sociedade é matriarcal e a poligamia é permitida tanto para os homens quanto para as mulheres. As bodas de Jigme e Jetsun foram um acontecimento extraordinário também porque o último rei a casar fora o 4º da dinastia e o fizera numa cerimônia múltipla, desposando ao mesmo tempo a quatro irmãs. Jigme, lembrando dos tempos de estudo em Oxford e talvez iniciando uma campanha pela monogamia, declarou que terá uma só esposa, mas poucos colocam a mão no fogo em favor da rainha. Esperam todos que, do alto da montanha Gangkhar Puensum, no topo do Himalaia, mais de 7500 metros acima do nível do mar, o Dragão Trovejante que a tudo observa não negará suas bênçãos ao novo casal.       
 
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional