Os amigos da cantora dos anos 40 Dalva de Oliveira viraram um dilema para Maria Adelaide Amaral. Com a lei antifumo, a autora, que escreve um seriado sobre a história de Dalva para a Globo, não sabe mais se irá caracterizar à risca o ambiente esfumaçado no qual habitavam muitos fumantes. Ali, cigarro era sinônimo de elegância, charme e status. Em clima de lei antifumo, como ficam as cenas com cigarro? Estimulam o comportamento? Vão contra a maré?
Segundo a Secretaria Estadual de Justiça, os atores estão liberados para fumar em locais fechados na TV apenas quando forem compor um personagem para programas fictícios, como novelas e séries. No entanto, a emissora que permitir o cigarro na gravação ou exibição ao vivo de programas de entretenimento ou jornalístico feito em estúdio fechado, em São Paulo, será notificada. A primeira multa varia de R$ 792 a R$ 1.585. No caso de reincidência, dobra. Imagens exibidas com gente fumando podem ser usadas como base para as autuações.
Mesmo tendo gravações no Rio, a Globo afirma que prefere ser politicamente correta e não remar contra. Segundo o diretor-geral Octávio Florisbal, o cigarro será tirado de cena sempre que possível. “Faz tempo que a Globo não exibe novelas com personagens fumantes. Sempre que possível, vamos ficar do lado da lei.”
Já no caso dos seriados policiais, como “Força Tarefa”, no qual delegados e traficantes são figuras fáceis, a fumaça não deverá sair de cena. Para a especialista do Núcleo de Televisão da USP, Maria Thereza Fragga Rocco, o cigarro já faz parte do cenário policial e vai ser difícil tirá-lo. “As pessoas se acostumaram a ver gente fumando em ambientes fechados como delegacia. Acho que vai causar um estranhamento no público a ausência deles.”
Em meados da década de 80, o cigarro era constante no seriado “Plantão de Polícia” (1979), de Aguinaldo Silva. “Foram poucas as cenas em que os jornalistas Waldomiro Pena (Hugo Carvana) e Serra (Marcos Paulo) apareceram sem cigarro”, diz Aguinaldo. O mesmo aconteceu em “Força Tarefa”. O autor Marçal Aquino evitou o cigarro, mas em sequências onde o tenente Wilson (Murilo Benício) teve de deter traficantes, a fumaça foi grande.
Alexandre Avancini, diretor do seriado “A Lei e o Crime” (Record), fala da importância do cigarro para a dramaturgia. “Sou contra o cigarro, mas para nós ele é importante. As pessoas sabem que aquilo é ficção. O cigarro complementa a ideia de que um personagem é mafioso ou vilão.”
Nada de fotos
Seu companheiro de emissora, Lauro César Muniz, que também faz uso do adereço para os mafiosos italianos de “Poder Paralelo”, se sai com alfinetadas. “Já estou até me acostumando com essas restrições da TV”, diz o autor, referindo-se aos recentes cortes feitos em sua novela a pedido da Record. Na cúpula comandada pelo bispo Edir Macedo, no entanto, a regra é nada de fumo. Nenhum personagem de série ou novela fumando pode ser fotografado.
A exceção na Record está em “A Fazenda”. O reality, que já teve dificuldade de levantar elenco para a primeira temporada, vai admitir fumantes para a segunda, que estreia em novembro. Já Boninho, da Globo, não quer saber da turma da fumaça no “BBB” desde a edição passada por uma questão, segundo ele, de saúde.
O diretor Marcos Paulo, responsável pelo seriado “Malhação”, reclama do fato de a emissora nunca ter tido uma posição clara. “A gente precisa chegar a um consenso. Eu evito (o cigarro) por bom senso.” No caso das novelas, o cigarro só tem aparecido ao lado dos vilões para reforçar um comportamento negativo. Silvia, em “Duas Caras” (2007), fumava cigarro de palha, assim como Nazaré, em “Senhora do Destino” (2005).
Benedito Ruy Barbosa não apoia a descaracterização de personagens. “Eu sempre lido com personagens rurais e o público sabe que aquele cigarrinho é do universo deles.” E Maurício Farias, diretor de “A Grande Família”, também não tem planos de mudar os vícios de Marilda (Andréa Beltrão), dona de um salão de beleza. “Assim como qualquer outro ser humano, a Marilda tem um vício que é o cigarro. Estamos há oito anos no ar desse jeito. Se ela abandonar o vício na ficção, não será pela lei.”