“O que se conhece do Simonal é a casca. Interessante, mas só.” A afirmação do jornalista Ricardo Alexandre põe nova lenha na fogueira da discussão sobre o ícone da música popular brasileira na década de 60, alvo de dois livros que se propõem a ir mais fundo. Depois do documentário Ninguém Sabe o Duro que Eu Dei, de Cláudio Manuel, reabrir o baú de polêmicas em torno da fama, do apogeu e do ostracismo a que Simonal foi submetido, Alexandre, mergulhou na biografia do músico para revelar histórias antes da fama, além de revolver questões não resolvidas no filme. Já o historiador Gustavo Ferreira, de 28, utiliza a história do cantor como uma janela para contextualizar o período da música popular brasileira em que Simonal viveu o seu auge.
“O espectador sai do filme com uma versão totalmente errada”, provoca Alexandre, diretor de redação da revista Época São Paulo. Em Nem Vem Que Não Tem – A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Ed. Globo), que deve chegar às bancas em setembro, o jornalista reuniu mais de 100 depoimentos, além de extensa pesquisa. “O show do Maracanãzinho, por exemplo, é contado de maneira equivocada. Também há erros históricos, como a relação de Simonal com a Shell (empresa de que foi garoto-propaganda e que teria rompido o contrato por atrasos e faltas), pivô da polêmica. Ouvi todos os departamentos da empresa até esclarecer.” O relato do contador Raphael Vivani, que no documentário diz ter sido espancado a mando de Simonal, também é contestado. “História errada. Mais, ainda não posso contar.”
Alexandre reconhece que o livro foi feito com o filme em perspectiva. “O documentário reconta a história a partir de depoimentos, só que alguns estão errados”, diz. “Muitos casos têm a participação dos envolvidos, mas não são verdadeiros, porque quem contou teve visão parcial, e não por má-fé.” Segundo o pesquisador, facilitou sua pesquisa o fato de a imprensa ter seguido cada passo de Simonal. Sem querer entregar o ‘tesouro’, Alexandre deu mais uma dica de um capítulo revelador: “Fãs de Roberto Carlos vão ter um redirecionamento da posição do cantor em relação a Simonal e o envolvimento dele com a polícia política da época”, camufla.
O trabalho teve o apoio dos dois filhos de Simonal, Max de Castro e Simoninha. “Muitas descobertas foram chocantes até para a família. Interessa a eles esclarecer as dúvidas que alimentaram o ostracismo do pai.”
Bode Expiatório
A ausência de referências sobre Simonal instigou o historiador carioca Gustavo Alonso, autor de Simonal – Quem não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga. Ainda sem data de lançamento (pela Record), o livro discute o período entre as décadas de 60 e 70 a partir da carreira e da exclusão de Simonal. “Como alguém que era tão famoso, tão popular, hoje está esquecido?”, questiona Alonso. A ambiguidade nos relatos obtidos pelo autor reforçou a tese. “O que mais ouvia era: ‘Sempre foi um ótimo cantor, mas…’ Sempre havia ressalvas”, destaca o autor, que defende o reconhecimento da pilantragem marcante de Simonal como um movimento artístico e complexo como a MPB. “A diferença é que a MPB foi incorporada por uma elite cultural, assim como Jorge Ben Jor”, discursa o autor.
“É engraçado ouvir o Pelé falar que ninguém fez nada para ajudar o Simonal. Ele também não fez”, acusa. “Simonal serviu como bode expiatório perfeito: negro, popular, massacrado pela mídia e com aquele jeito marrento.”