A grande Mesquita Branca foi reaberta 6ª. feira, principal dia de orações para os muçulmanos, para evitar que a pressão da multidão de uigures resultasse em nova batalha de rua em Urumqi, capital da província ou Região Autônoma de Xinjiang no longínquo noroeste da China. O problema não é exatamente que as tropas chinesas impeçam o acesso às mesquitas por razões de segurança (184 mortos e mais de 1000 feridos resultaram dos distúrbios de 5 de julho) e sim que as ocupem, mantendo em seu interior homens que são impuros pelas leis islâmicas, numa província que tem a maior relação mesquita por muçulmanos do mundo: são 23 mil no total, em geral de credo sunita. O povo Uigur não está de passagem em Xinjiang – que chama de Uigurdistão ou Turquistão Chinês  –, ele é de lá, sempre foi. Comerciou na Rota da Seda desde 200 a.C. e se aliou a Gengis Khan quando da invasão otomana no ano 1209. O nome atual da província é relativamente recente, pois foi dado em 1759 quando afinal a China dominou a área da Bacia de Tarim. A denominação moderna de Região Autônoma é adotada pelo Partido Comunista Chinês (PCC) para identificar territórios com presença significativa de algumas das 55 minorias étnicas que constituem 2% da população total de 1,3 bilhão de pessoas. Os outros 98% são da etnia Han.
Aos poucos o forte predomínio populacional uigur em Xinjiang está diminuindo, em função da maciça ocupação do território por chineses da etnia Han (já são 40% contra 45% de uigures) estimulada pela oferta de melhores empregos e moradias pelo PCC que desde 1996 combate duramente o que denomina de Movimento da Independência do Turquistão do Leste, acusando uigures radicais de serem terroristas ligados à Al Qaeda e separatistas sob a liderança de Rebiya Kadeer, hoje uma próspera comerciante que, após ter acumulado uma razoável riqueza em sua terra natal onde esteve por alguns anos presa, vive em Washington. Dois de seus onze filhos estão detidos em Xinjiang, sob acusações de envolvimento político anti-China. Nesse período, a migração de chineses Hans foi apoiada pelo Programa de Desenvolvimento do Oeste que implantou a Zona de Desenvolvimento Industrial New&High Tech de Urumqi, responsável pela colocação das grandes avenidas comerciais da cidade entre as mais movimentadas do interior chinês. Nas escolas vem sendo ensinado só Mandarim, o que ameaça tornar o Uigur uma língua morta, e nos empregos públicos uigures muçulmanos queixam-se de não serem liberados para fazer suas orações diárias.
Xinjiang é uma região altamente estratégica para a República Popular da China. Com 1,6 milhões de km2 (1/6 do território nacional), é maior que o estado do Amazonas ou de que todo o sul da Europa. Produz gás e também uvas, peras, maçãs e seda de primeira qualidade. Lá está o imenso deserto de Takla Makan com seus 33700 km2, conhecido como Mar da Morte embora a região seja, de acordo com o Guiness, a mais distante de qualquer costa marítima em todo o planeta. Tianshan, a Montanha Celestial com seus picos que superam os 7400 metros, suavemente termina nos arredores de Urumqi. A província limita ao sul com a Região Autônoma do Tibete, também em constantes conflitos com o governo central; a leste com a Mongólia; ao norte com a Rússia e a oeste com Casaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Afeganistão, Paquistão e Índia (a sudeste estão as províncias chinesas de Qinghai e Gansu). Um dos pontos mais sensíveis dessa fronteira é o território de Aksai Chin junto ao estado indiano de Jammu Cachemira e sobre o qual a Índia reclama soberania desde 1962.
A política do PCC de mudar o equilíbrio étnico em Xinjiang é que está na raiz dos conflitos que se intensificaram a partir de 1997, o ano dos confrontos de Gulja que deixou nove vítimas fatais, chegando aos incidentes relacionados ao Tibete durante os Jogos Olímpicos de 2008. Não há possibilidade real de que, agora, o conflito se expanda ou se agrave. A presença do exército chinês é avassaladora, o secretário do PCC afirmou que os responsáveis pelos choques de Urumqi poderão ser condenados à morte e os 8,8 milhões de uigures estão, com razão, atemorizados. Consideram-se tão chineses quanto os Hans, não pensam em independência nem em ir embora, mas querem continuar sendo Uigures para, talvez um dia, serem novamente aceitos como nativos da terra de seus ancestrais, o Uigurdistão.   


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional