A polícia, como de costume, arremeteu fazendo uso de sua força pesada (ou leve) para provocar a debandada do inimigo constituído por bandos de jovens que pacificamente ocupavam algumas ruas impedindo ou dificultando o trânsito. Os ataques se fizeram com o uso de balas de borracha, gás, canhões expelindo jorros de água, tudo com suposto efeito moral.  Com isso, generalizou o conflito que de imediato se espraiou pelos bairros e alcançou outras cidades. Passantes e motoristas pegos inadvertidamente no meio da confusão apavoraram-se e, abandonando seus pertences, trataram de fugir para o mais longe possível da confusão. Certamente, um pouco mais de paciência, de negociação e, pelo menos, o emprego pelos policiais de técnicas mais adequadas para lidar com movimentos urbanos, teriam provocado menos reação e possibilitariam entendimentos civilizados entre o governo e os jovens. É verdade que as motivações para a revolta, as condições reais, o povo e os presidentes são distintos na Turquia e no Brasil – ambos orgulhosos por sua condição de países emergentes –, mas é inegável que as semelhanças entre Istambul, Ancara, São Paulo, Rio, Brasília se multiplicam. Desde logo, não se tratam de novas primaveras árabes ou latinas, mesmo porque por aqui recém iniciamos o inverno de 2013 e por lá os próprios manifestantes fazem questão de dizer que a Turquia não busca uma revolução, tem um Estado e uma Constituição. Isto é resistência civil.

Há alguns fios condutores das rebeliões de rua que consolidam as semelhanças: a ação policial como mola mestra da explosão das marchas e movimentos urbanos; a capacidade das redes sociais, fazendo com que via twitter sejam instantaneamente convidadas e expressem sua adesão milhares de pessoas, com locais, dias e horas marcadas; o início por razões aparentemente menores que catalisam grandes insatisfações; a atitude dos governos, aferrados a um poder que se esvai, de busca desesperada de um rosto na oposição a quem culpar; o crescendo das multidões nas ruas.

A democracia secular turca foi firmemente estabelecida em 1923 quando a Guerra pela Independência liderada por Mustafá Kemal Ataturk expulsou as forças aliadas que haviam tomado o país após a guerra de 1914-18, instalou a República e deu fim aos sultanatos e ao império otomano. Em 2002 o Partido da Justiça e Desenvolvimento chegou ao poder e desde então Recep Tayyik Erdogan é o primeiro-ministro. Embora 90% da população seja muçulmana, a Turquia sempre foi uma nação secular, mas agora Erdogan (quer mudar o regime para presidencialista a fim de manter-se, pois não mais pode ser reeleito no seu posto atual) toma medidas que causam grande revolta na população esclarecida para impor a sharia, a lei islâmica, proibindo o consumo de álcool para todos e o uso de roupas de estilo ocidental e o livre trânsito das mulheres. Por último, decidiu acabar com uma das últimas áreas verdes da cidade, o Parque Gezi, para erguer um Shopping Center. Em massa os jovens protestaram ocupando, nos últimos vinte dias, a vizinha Praça Taksim e a larga Istiklal Caddesi (Avenida Independência, a Avenida Paulista de Istambul). Ao invés de respeitá-los, Erdogan chamou-os de capulcu (vândalos) e acionou as forças da ordem, atitude agora copiada pelos governos estadual e municipal de São Paulo e de outras cidades brasileiras. O movimento popular fortaleceu-se e passou a exigir a saída de Erdogan.

No caso do Brasil as insatisfações do povo são múltiplas. Como que saindo do nada, mais de 250 mil pessoas tomaram as principais ruas de dezessete cidades nesta 2a feira. O motivo primeiro – aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus que originou o Movimento do Passe Livre -, foi o estopim que canalizou revoltas acumuladas nos últimos anos contra a falta de segurança; as precariedades incontornáveis dos sistemas públicos de educação e saúde não solucionadas pelos altos preços dos serviços prestados pela ávida rede de escolas e planos de saúde privados; a debacle dos legislativos submetidos à força dos executivos; a corrupção afinal condenada no processo do mensalão, mas até hoje sem ninguém preso nem afastado do Congresso; os gastos exagerados e inúteis com grandes eventos esportivos. Em sua coluna num jornal de Brasília, Ari Cunha lembra das Olimpíadas – 26 bilhões, Corrupção – 50 bilhões, Salário Mínimo 678 reais, para perguntar se você ainda acha que é por 20 centavos.
Não há como prever o que vai acontecer. Pouco antes do jogo Brasil x Japão, a presidente Dilma foi estrepitosamente vaiada por quem pagara mais de 400 reais pelo ingresso, mas ouvia, vindos de fora do estádio, o estrépito das bombas, o galopar dos cavalos e o ruído seco dos cassetetes nas cabeças dos nossos vândalos. Os jovens, e com eles os adultos, os velhos e as crianças, são acusados de não terem uma causa. Mas as mudanças acontecem assim mesmo. Vão construindo suas razões ao longo do processo. 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional