No último dia 18 de dezembro uma agência cubana de notícias anunciou que as Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – haviam decidido libertar a deputada pelo estado de Huila, Consuelo González Perdomo que seqüestraram em 10/9/2001 após interceptarem sua camionete Mitsubishi pouco antes da cidade de Hobo; a candidata a vice-presidente (eleições de 2002, chapa de Ingrid Betancourt do Partido Verde Oxigeno, capturada em 23/2/2002 num bloqueio na estrada para San Vicente del Caguán) Clara Rojas e Emmanuel, seu filho tido em cativeiro com um guerrilheiro raso, “em um gesto de desagravo aos familiares dos retidos, a Chávez e a Piedad Córdoba”. O comunicado do grupo guerrilheiro acrescentou um agradecimento a Chávez “por sua dedicação, o colossal esforço como facilitador, a boa fé e a solidariedade para com os colombianos”, além de classificar como barbárie diplomática a interrupção pelo presidente Álvaro Uribe, em 21 de novembro, das “gestões de Chávez (e da senadora Piedad) que visavam facilitar uma troca de guerrilheiros por reféns das Farc”.
No momento em que escrevo esta coluna, a incerteza persistia e as famílias dos seqüestrados acendiam velas e faziam orações repetindo a vigília da espera tantas vezes antes infrutífera, sonhando com o fim do martírio. Quem tiver muita sorte escapa. Haveríam no país cerca de 16 mil guerrilheiros das Farc em armas mais uns 5 mil militantes urbanos segundo as estimativas oficiais, números que pouco variaram apesar de todo o sucesso da política de segurança implementada pelo governo colombiano e que, sem sombra de dúvida, reduziu drasticamente os seqüestros, atentados e massacres no país, fazendo encolher os espaços de ação também do ELN, o Exército de Liberação Nacional, com um efetivo de 3.500 combatentes. Contra eles, as Forças Armadas e a polícia contam com 341 mil homens. Tamanha disparidade não justifica o saldo deste ano de 2007 em relação às Farc: a entrega dos corpos de onze deputados seqüestrados e assassinados na selva, 45 “reféns” que poderiam ser libertados em troca de 500 militantes presos, duas mulheres e uma criança talvez a serem soltos e pelo menos 700 pessoas comuns, soldados e policiais que na selva aguardam o pagamento de seus resgates em troca da liberdade.
Também não há nada que justifique o discurso humanitário da guerrilha, que ao oferecer três vítimas menores (os peixes grandes – Ingrid e os três norte-americanos – continuam nas montanhas) faz um lance estratégico destinado a desestabilizar o governo de Álvaro Uribe, que continua com altos índices de aprovação popular apesar do seu caráter nitidamente militarista. Há dois inocentes úteis na parada: o presidente venezuelano Hugo Chávez e a senadora Piedad Córdoba, que saiu de um quase anonimato político para o estrelato internacional (hoje é recebida em gabinetes presidenciais e é disputada pela mídia) graças aos erros de Uribe por tê-la nomeado sua interlocutora nas negociações com as Farc e depois tendo de demiti-la diante da total inexistência de resultados efetivos, pois sequer provas de vida dos seqüestrados a dupla havia conseguido. Essas provas (só fornecidas, e para algumas das vítimas, depois do afastamento dela e de Chávez) e agora a promessa de liberdade para Clara, Consuelo e Emmanuel, além da estapafúrdia exigência de renúncia de Uribe, surgem como parte da luta das Farc pela sobrevivência e pela manutenção da sua fatia no rentável comércio de drogas. Piedad conseguiu reeleger-se para o Senado em 2006 pelo tradicional e conservador Partido Liberal com o lema: “Volta A Negra, que tremam os corruptos” e, num jogo de palavras, prometendo “fazer anti-uribismo sin piedad”.
A libertação ocorreria em território venezuelano onde, segundo detalhada reportagem do jornal espanhol El País, as Farc mantém quatro bases operacionais e um ativo corredor para exportação de cocaína. Há boatos de que os três já estariam na Venezuela à disposição de Chávez que tentará obter a máxima repercussão internacional possível, mostrando ao mundo que ele conseguiu sucesso onde Uribe falhou. O local mais provável da “entrega” seria o estado de Barinas, governado por Hugo de los Reyes Chávez, o pai de Hugo Chávez, próximo ao ponto de fronteira entre as cidades limítrofes de Arauca e Guasdualito. Dificilmente a fronteira brasileira, em São Gabriel da Cachoeira na “cabeça do cachorro”, será envolvida, pela distância do cenário principal e para não comprometer antes da hora ao governo de Lula da Silva, que acaba de oferecer o Brasil como base física para interlocuções entre o governo colombiano e as Farc.
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