Em 1º de março de 2008 na zona rural de Angostura, às margens do rio San Miguel na província equatoriana de Sucumbíos, um bombardeio executado com precisão cirúrgica pelas Forças Armadas colombianas arrasou o acampamento das Farc e matou Luís Edgar Devia, o Raúl Reyes, chanceler e número dois da organização guerrilheira. Numa prova a mais de que o ataque fora premeditado, homens dos serviços de inteligência desceram dos helicópteros e recolheram tanto o corpo como o que seria depois considerado como o mais valioso botim: os computadores e arquivos que até hoje produzem estragos entre os envolvidos que reclamam sem evitar que as informações ali contidas sejam reconhecidas como verdadeiras, mostrando a rede de influências que a organização construiu. O Equador cortou relações com o vizinho e seu jovem e nervoso presidente Rafael Correa segue irredutível  negando o reatamento, embora cercado por revelações de que homens de sua confiança como o ex-ministro Gustavo Larrea e seu vice Ignacio Chavín negociavam regularmente com Reyes.
Um ano depois, como estão as Farc? Outros golpes tão ou mais demolidores a feriram: morte natural do chefe maior, Manuel Marulanda Véliz, o Tiro Certo; execução do mais jovem membro do Secretariado, Ivan Rios por um guarda-costas; deserção de vários chefes intermediários como Karina, Isaza, Myriam (codinomes) e agora a prisão de Negro Antonio, o temido responsável por mais de cem seqüestros e do qual se dizia que nunca negociava e sim decidia. “Ou paga o resgate ou morre” era sempre a sua resposta aos familiares que tinham de subir as encostas do morro de Penas Brancas (província de Cundinamarca) para entregar-lhe o dinheiro exigido. Quando o exército o capturou o comerciante Gregório Arbaez, recém seqüestrado, ao ouvir a metralha desatou a correr e foi resgatado aos prantos pelo susto, livrando os seus de pagar os 300 mil dólares que valia. Para completar a má fase foram descobertas as sempre procuradas “Cuevas del Mono”, um conjunto de cavernas com mais de 10 km2 cercadas por um campo minado, com hospital, equipo odontológico, medicamentos e dez toneladas de munições, abrigo de Jorge Briceño, o Mono Jojoy, atual número dois e de quem se diz estar doente e em permanente desacordo com o novo líder geral, Alfonso Cano. Já o novo “chanceler”, Joaquín Gómez, não teria nem o carisma nem a astúcia de Reyes. Numa mudança de tática, a guerrilha resolveu desfazer-se dos seqüestrados por razões políticas e hoje, dos cerca de 60 incluídos como moeda de troca por combatentes encarcerados pelo governo, restam apenas 25 (nenhum civil). Num desmoralizante resgate pelas Forças Armadas, a Operação Xeque sem disparar um tiro sequer libertou em julho do ano passado a “jóia da coroa”, a franco-colombiana Ingrid Betancourt, os três norte-americanos e onze militares. Mesmo assim, o ex-governador de Meta, Alan Jara, ao ser libertado declarou que as Farc não estão derrotadas, são um grupo bem organizado e com longa capacidade de confronto, chegando por isso a ser acusado de ter a “síndrome de Estocolmo” (paixão pelo seqüestrador).
A Colômbia e o mundo começam a conhecer a história do outro lado, o mundo da selva contado pelos ex-sequestrados. O livro “Out of captivity” (Fora do cativeiro) de Keith Stansell, Marc Gonsalves e Tom Howes (os três norte-americanos) revela que apesar dos grilhões em algumas noites, havia verdadeiros casais e citaram dois casos: Luis Eladio Pérez (senador) com Ingrid Betancourt e Jorge Géchem (senador) com Gloria Polanco (deputada). Marc também contou que “Ingrid e eu nos sentimos atraídos um pelo outro e Luís Eladio estava muito brabo comigo pelo tempo que passava com ela”. Sobre os guerrilheiros, quase todos garotos de não mais de 20 anos, escreveram que as Farc controlavam inclusive suas relações românticas, mas não estavam interessadas em crescer pelo nascimento de crianças, pelo que forneciam anticoncepcionais às mulheres e impunham o aborto em casos de gravidez. Os boatos a respeito dessas ligações chegaram às famílias. Marc e Tom viram seus casamentos ruírem, ao passo que Ingrid tratou friamente ao segundo marido, Juan Carlos Lecompte (ele, que lutou durante os seis anos e meio do sequestro pela libertação, teria uma namorada mexicana e antes envolvimento com uma prima da esposa), de quem deve divorciar-se. Ela já jantou com o ex-minisro das relações exteriores da França, Dominique Vilepin, seu amante na época de estudante e há pouco foi fotografada com um novo amigo numa praia em Miami. Algumas esposas depois de ouvirem os rumores vindos da selva optaram por recomeçar a vida junto a outros companheiros, mas a esposa de Luís Eladio, Angela Pérez, disse que o seu casamento está sendo reconstruído e que a vida do marido não é a que teve como cativo e sim esta de agora, ao lado dos seus. Perguntada se sentia ciúmes disse que não, mas sentia não ter podido estar lá, dando-lhe a mão. Com razão, um leitor da revista A Semana de Bogotá comentou que estava chegando à conclusão de que se tem uma melhor vida sexual como sequestrado na selva do que livre na cidade.  


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional