Os sulcos feitos pelo deslizar dos dedos no barro foram as primeiras manifestações artísticas dos homens primitivos. Os assim chamados “macaronis”, cuja palavra em francês provém do italiano “maccheroni”, ou macarrão no plural. Estes desenhos cavados pelos dedos foram logo seguidos pela imagem da palma da mão humana – impressa por meio de sopro de tinta – ao lado de figuras dos animais mais desejados pelo alimento e agasalho, como os bisões, exprimindo o sentido propiciatório dos artistas-pajés do paleolítico superior. Os animais eram desenhados de modo a destacar pelo tamanho as partes mais importantes e necessárias à sobrevivência do homem naquele tempo remoto. Além da carne, os chifres e os cascos eram também exagerados para que o verdadeiro animal quando caçado correspondesse ao desenho favorecido. Não esquecer que os chifres e os cascos eram empregados para fabricar lanças, cortar, raspar, cavar. A arte pré-histórica nascia então, vinda ao mundo através de dois procedimentos que viriam a ser específicos na gravura: a escarificação e a impressão em negativo. A escarificação, ou a retirada da matéria, é realizada por instrumento com ponta de metal – goiva – que corta material da matriz. No caso da xilogravura, a matriz é constituída por uma placa de madeira que é escavada. É interessante notar que o termo “escarificação” provém da medicina e tem o mesmo significado, porém referente a incisões no corpo humano. E a impressão em negativo é realmente um sinônimo da gravura escavada pois, a tinta não preenche as partes vazias e se limita à superfície da matriz, reproduzindo o que ali está representado. Ao longo dos séculos do desenvolvimento da gravura, ela passou por diferenciações significativas na sua concepção e aperfeiçoamentos quase alquímicos no seu fazer. Uma inovação importante foi a passagem do entalhe realizado em tábua de fibras longitudinais – acompanhando o tronco da árvore – para a gravura de topo que usa a madeira no sentido transversal como fatias do tronco. Na procura de diferentes métodos de trabalho, Aloïs Senefelder inventou a litografia – que utiliza pedra como matriz – em 1798, o que causou uma revolução nas artes gráficas pela facilidade do uso de lápis gorduroso em desenhos feitos diretamente sobre a pedra. Apesar da tecnologia de hoje proporcionar uma gama infinita de possibilidades digitais aos artistas, a gravura que segue métodos tradicionais de procedimentos, ou de etapas de execução, continua tão efetiva no seu modo de ser quanto o era quando Senefelder trabalhava. Um exemplo é a litografia que ilustra esta coluna, elaborada por Karin Luner, em 1992, e que pode ser vista na exposição “Gravura Contemporânea – Diálogos” no Museu da Gravura Cidade de Curitiba (Rua Pres. Carlos Cavalcanti, 533 – fone 41 3321-3269). A artista, nascida em Düsseldorf, Alemanha, passou a viver e trabalhar nos Estados Unidos da América, a partir de um estágio do Printmaking Workshop, em Nova York, NY, em 1990. Ganhadora, entre outros prêmios, do “Pollock-Krasner Foundation Grant”, ela lecionou litografia na Columbia University e, em 2005, veio a ser diretora da “DietzSpace Gallery”, na cidade nova-iorquina. Karin Luner participou da exposição norte-americana na “X Mostra da Gravura Cidade de Curitiba”, em 1992. Intitulada “Holy Hands in Violet Earth” = “Mãos Sagradas na Terra Violeta”, nesta litografia é notável o gestual de protesto típico da linguagem artística da época e que, coincidentemente, repete, milhares de anos depois, o mesmo gesto da mão em atitude propiciatória equivalente à arte do paleolítico superior neste texto. Segundo o “Dicionário de Símbolos” de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant: “A mão exprime as idéias de atividade, ao mesmo tempo que as de poder e de dominação. A mão é um emblema real, instrumento da maestria e signo da dominação. Serve de arma e de utensílio; ela se prolonga através de seus instrumentos. Mas ela diferencia o homem dos animais e serve também para diferenciar os objetos que toca e modela”. José Olympio Editora. RJ. 1988.
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