O homem que contestou o best-seller O Código Da Vinci, acusando Dan Brown de ter apresentado Leonardo de forma “inapropriada” e “diminuído”, está de volta à polêmica. Agora, para defender informações do próprio livro. A editora Objetiva lançou   Leonardo Da Vinci – Arte e Ciência do Universo (160 páginas), do crítico italiano Alessandro Vezzosi, diretor do museu que leva seu nome na cidade toscana de Vinci. O livro integra a coleção “Descobertas”, idealizada pela Gallimard. É mais que um guia introdutório à obra do gênio renascentista. Nele, Vezzosi, que concedeu entrevista à Agência Estado, contesta algumas teorias, entre elas a de que a Mona Lisa seria o retrato de um amigo de Leonardo travestido, revelando ainda a ficha policial de Da Vinci, que chegou a ser denunciado por sodomia. Vezzosi  também trata das razões de sua rivalidade com Michelangelo.

AGÊNCIA ESTADO — A vida desregrada de Leonardo é mencionada de passagem em seu livro, quando o senhor cita o processo por sodomia no qual ele estaria envolvido com o pintor Andrea Verrochcio. Em sua opinião, ele apenas dividia o seu ateliê ou era homossexual?
VEZZOSI — A vida de Leonardo não era particularmente desregrada em relação ao tempo em que viveu. Ele foi vítima de uma denúncia anônima de sodomia num processo contra um rapaz de nobre família. A partir desse documento, ficamos sabendo que Leonardo trabalhava e vivia, como outros artistas, no ateliê de Verrocchio. Mas esse não estava entre os acusados. Ao contrário do que afirma Dan Brown em O Código Da Vinci, Leonardo não era “declaradamente homossexual” e, em seus estudos de anatomia, demonstra ter tido experiências sexuais com mulheres. Aquele que os livros de história da arte consagram como seu amante era, na realidade, casado e teve cinco filhos: Francesco Melzi.

AE — O motivo da rivalidade entre Leonardo e Michelangelo não fica bem claro em sua biografia.
VEZZOSI — Os dois, efetivamente, viveram competindo. Leonardo privilegiava a pintura, Michelangelo, a escultura; Leonardo pinta em termos de “sfumato” e de infinito. Michelangelo esculpe com o “non finito” e pinta evidenciando a linha do contorno; Leonardo, artista universal da ciência e da tecnologia, tende a uma maior síntese interdisciplinar. Michelangelo é escultor, pintor, arquiteto e literato com maior determinação; Leonardo é irônico quando se refere à anatomia na obra de Michelangelo; Michelangelo arrasa Leonardo pela fracassada fundição em bronze do cavalo de Sforza e ser apadrinhado por “estúpidos milaneses”. Os dois juntos, seja com a “Batalha de Anghiari”, ou a “Batalha de Cascina”, ambas no palácio della Signoria, em Florença, criaram o que Cellini chamou “la scuola del mondo”, sugerindo um modelo para os artistas que os sucederam.

AE — A contradição de um vegetariano que transforma lagartos em monstros e não tem pudor em dissecar animais é evidente no livro.
VEZZOSI — Leonardo manifestava suas contradições, mas é preciso considerar que todas essas histórias são lendas consagradas por documentos suspeitos como um falso “Libro di Cucina” ou um falso Codice Romanov, que enganam a tantos leitores. A teoria de que Leonardo talvez fosse vegetariano vem da interpretação da carta de um amigo enviada da Índia a Juliano de Médici, na qual ele diz que em uma determinada região indiana não se come carne, acrescentando que lá não se faz mal a animais, “como o nosso Leonardo”. A frase é ambígua: não fica claro se essa referência considera o fato de o pintor ser vegetariano. De qualquer modo, por seus manuscritos é possível concluir que a carne fazia parte de sua lista de compras, além dos desenhos que comprovam o gosto por carne assada. Como ele praticava a vivissecção, é possível atestar que ele utilizava moscas, rãs e outros animais vivos em seus experimentos.