“Querendo ou não, será libertado nas próximas horas”, disse o Alto Comissionado para a Paz da Colômbia, Luis Carlos Restrepo, a Rodrigo Granda, o número 2 na hierarquia das Farc que acaba de ser transferido para a prisão de Chiquinquirá junto a outros 180 guerrilheiros que teriam aceito a proposta do governo, prometendo que de ora em diante se comportarão e, uma vez em casa, não retornarão nem à guerra nem ao tráfico e muito menos à marginalidade urbana.


A proposta, anunciada bombasticamente à nação, do presidente Álvaro Uribe, de libertar unilateralmente e em massa a guerrilheiros que custaram fortunas ao Estado para serem capturados e condenados, corre sérias ameaça de se transformar em um novo beco sem saída e em um fortalecimento da guerra e da imensa indústria de produção e tráfico de coca e cocaína que corrói a Colômbia há pelo menos 44 anos.


Depois de montar, com apoio norte-americano, uma máquina belicista composta por 343 mil homens para combater a 25,8 mil guerrilheiros, de interromper seguidamente negociações de paz diante do primeiro ataque feito pelo adversário e de ordenar sem sucesso a libertação pelas armas dos 56 seqüestrados que permanecem nas selvas e montanhas colombianas nas mãos das Farc, Uribe muda radicalmente de estratégia oferecendo, por “razões de Estado” o que seria um gesto de boa vontade e um exemplo a ser seguido pela guerrilha. De imediato começou a transferência para um centro comum de triagem, de parte dos mais de mil guerrilheiros que poderiam ser libertados até 7 de junho, dia da reunião do G-8 em Heiligendamn, no norte da Alemanha.


As “razões de Estado” logo foram identificadas: trata-se de uma invenção, um sonho ou um espetacular acordo (o título depende da interpretação de cada um) entre dois legítimos representantes da ultradireita internacional: o colombiano Álvaro Uribe e o recém empossado francês Nicolas Sarkozy. Este, comprometeu-se a obter do G-8 – composto por França, Reino Unido, Japão, Itália, Canadá, Rússia, Estados Unidos e Alemanha – um apoio ao intercâmbio humanitário de prisioneiros por seqüestrados na Colômbia com base num gesto significativo do seu governo. Os dois atores principais são pouco confiáveis.


Sarkozy, do alto de sua inexperiência, quer começar bem, libertando Ingrid  Betancourt e impressionando aos franceses que a cada aniversário por ela cumprido no cativeiro fazem passeatas e erguem enormes cartazes com sua foto nas ruas de Paris. Seria uma demonstração de superioridade (mais provavelmente de infantilidade) sobre os americanos, que nada fazem pelos seus três cidadãos (Keith Santarell, Thomas Howes e Mark Gonsalves que prestavam serviços na Colômbia como contratados de empresas de consultoria), de como o bom charme gaulês dá melhores resultados do que as armas. Uribe está no momento sob intensa pressão dos Estados Unidos onde os democratas exigem soluções mais concretas para os problemas das drogas e da guerrilha, e dos paramilitares das Autodefesas que ameaçam acabar com seu governo revelando os detalhes de como os seus aliados e afinal o próprio presidente – desde o tempo em que era o governador de Antioquia – os estruturaram e financiaram.


Ao lado dos guerrilheiros sairiam da cadeia os paramilitares e os ex-congressistas, ex-governadores, políticos, pecuaristas, comerciantes e militares que eram “membros vinculados” das Autodefesas Unidas da Colômbia (esquadrões da morte que vendiam proteção contra as forças de esquerda) e pertenciam à base do governo, pagando penas alternativas mínimas.


Cada vez mais, a sociedade se pergunta sobre as chances de uma proposta tão estapafúrdia dar certo. Afinal, Uribe foi eleito com amplo apoio de caráter conservador exatamente para derrotar as Farc. Como questionou a revista Semana: que pensará o colombiano comum ao ver que guerrilheiros com graves delitos a cumprir estiverem fora das grades? E que pensarão os juízes que se atreveram a condená-los? Ao que já se está chamando de “a grande farsa de Álvaro Uribe”, a resposta das Farc foi contundente negando-se a soltar os seqüestrados em seu poder e acusando os que aceitaram a oferta governamental, chamando-os de “desertores que traem as Farc por sua decisão de deixar de ser guerrilheiros e que, naturalmente, não são nem podem ser parte de um intercâmbio humanitário”. Para isso, mantém a proposta de uma área desmilitarizada nos municípios de Pradera e Florida para negociar os termos da troca de prisioneiros. A grande maioria dos militantes encarcerados nega-se a sair, ou por fidelidade ao Secretariado que comanda o grupo ou por medo de serem justiçados pelos próprios ex-companheiros.


A intermediação de Rodrigo Granda, codinome de Ricardo González e considerado o chanceler das Farc, pedida por Sarkozy a Uribe (há três anos o governo francês conversa com as Farc tentando a soltura de Ingrid e acompanhada por Clara Rojas com o filho Emmanuel nascido no cativeiro após relação com um militante da guerrilha), não deve ajudar a desatar o nó. Granda é um senhor maneiroso, a face culta e gentil das Farc, mas não menos duro e cruel que seus colegas. Foi preso pelas forças de inteligência colombianas em dezembro de 2005 em Caracas, onde vivia numa bela casa localizada em bairro de elite, e terá em seus calcanhares, caso fique em Bogotá ou na América Latina, a polícia paraguaia devido à sua participação no seqüestro e assassinato de Cecília Cubas, a filha de 31 anos do ex-presidente guarani Raúl Cubas.


É preciso esperar pelo anúncio final e pela efetivação do processo que, ao longo desta semana, prevê a devolução de um verdadeiro exército de combatentes à vida civil sob a proteção de uma legislação que está sendo adaptada para justificar a pressa. Dos três lados envolvidos, o único que desde já se pode considerar como perdedor é o governo colombiano, pois tanto a guerra quanto o tráfico devem fortalecer-se. Os paramilitares não estão abrindo mão dos pontos de droga que controlam nem estão confessando os crimes cometidos e que teoricamente os obrigariam a indenizar familiares das vítimas; ao contrário, asseguram a sobrevivência, mantém a organização e garantem o negócio, sem mais necessidade de operar a estrutura de combate às esquerdas, pois esta foi assumida pelo exército e pela polícia. Por último, as Farc não precisam soltar os 56 reféns e saem como as grandes vencedoras do embroglio uma vez que não fizeram oferta alguma nem tiveram de ceder um só milímetro em suas posições, além de receberem de volta e de graça pelo menos alguns dos seus quadros. Quanto à Colômbia: pobre Colômbia.


 


Vitor Gomes Pinto


Escritor, analista internacional