Terminou o pesadelo. Após 2.321 dias lutando para sobreviver na selva colombiana, Ingrid Betancourt, a candidata à presidência pelo Partido Verde Oxigeno nas eleições de 2002, recuperou a liberdade graças a uma arriscada operação de resgate das Forças Armadas que teriam iludido os guerrilheiros das Farc levando-os a reunir num só ponto a 15 dos seus melhores reféns que estariam em três acampamentos distintos, acreditando que ali se reuniriam com o novo líder máximo Alfonso Cano.
O helicóptero camuflado chegou e levou, sãos e salvos, Ingrid, os três norte-americanos, 5 tenentes, 2 sargentos e 4 cabos, alguns seqüestrados há dez anos. É o que se sabe, por ora.
Desde a morte de Manuel Marulanda, o Tirofijo, intensas negociações vinham ocorrendo na região do selvático departamento de Guaviare (divisa com Vaupés e Guainía, junto à região amazônica brasileira da Cabeça do Cachorro, onde foi capturado Fernandinho Beira-Mar). Ali ocorreram as libertações de sete reféns no começo do ano, levando o exército a bloqueá-lo impedindo o transporte dos demais para outros departamentos (estados) colombianos, restringindo a área de busca. Nos últimos dias os boatos varriam Guaviare e redondezas. O bispo Don Guillermo Orozco desmentiu o atendimento de Ingrid num hospital, missão humanitária francesa aguardava uma chance para entrar na mata e o antropólogo Alfonso Cano parecia mais flexível. Contatos foram feitos.
Como o resgate ocorreu pacificamente, sem feridos, é possível que a guerrilha tenha optado por colaborar, ou por estar sem saídas, ou por ter se convencido de que seu ciclo estaria prestes a terminar diante da pressão tremenda do governo Uribe e seus aliados norte-americanos (Bush deseja a glória de ter acabado com as Farc). Esta hipótese representaria uma radical mudança no quadro da guerra colombiana, mas dificilmente poderá ser comprovada a curto prazo. Até aqui ninguém admitia que as Farc abririam mão das jóias da coroa e, sinceramente, um resgate concomitante de Ingrid, Mark Gonsalves, Thomas Howen e Keith Stansell não pode ser apenas uma feliz coincidência. Neles, mais do que nas cerca de 700 pessoas que permanecem cativas, residia não a sua força e sim a garantia de que não sofreriam um ataque militar mortal. Agora, a porteira foi aberta e existem três possibilidades. A primeira é uma grande ofensiva, baseada nas copiosas informações coletadas pelos serviços de inteligência, que deixou de ter maiores impedimentos. Caso ocorra, muitos dos seqüestrados seriam sacrificados, mas é um preço que – de acordo com a teoria dos estrategistas militares – poderia ser justificado se não forem em número demasiado. A segunda é de que tenha havido de fato uma entrega pela guerrilha e em tal caso seria possível avançar no caminho da sua transformação num grupo político. Como terceira hipótese teríamos uma retomada dos atentados pelas Farc, voltando às táticas do passado numa tentativa de continuarem vivas indefinidamente mesmo sem a virulência e o poder revelados na última década.
De qualquer maneira, o comércio da droga não será de fato afetado. A produção é sólida e os preços internacionais altamente compensadores. As administrações Uribe e Bush concentraram-se na esperança de liquidarem a guerrilha e deixaram a coca e a cocaína em segundo plano. É o exemplo do Afeganistão: os talebãs apanharam, mas o ópio e a heroína pouco sofreram.