Em Pernambuco é costume dizer que, ao contrário do que ocorre no Rio e em São Paulo, não existem balas perdidas, todas têm endereço certo. Na Colômbia, Pedro Antonio Marín quando fundou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as Farc, em 1964, tinha a fama de não errar um só disparo, justificando o apelido pelo qual passou a ser conhecido, de Tirocerto (Tirofijo), ou pela alcunha de Manuel Marulanda. Ele dirigiu a organização com mão de ferro durante 44 anos, infernizando a vida dos governos que o enfrentaram sem nunca conseguir derrotá-lo, mas também nunca sendo capaz de vencer ao odiado inimigo. Ao ler um comunicado no qual confirmava a morte, em 26 de março por problemas cardíacos, do “líder invicto de mil batalhas”, o membro do Secretariado dirigente das Farc, Timochenko (nome real Timoleón Jimenez), mostrou o quanto seu grupo está acuado “em meio da maior ofensiva“ já desatada pelas forças governamentais, jurando “no altar da pátria, vencer, apesar da adversidade”.
Está preocupado e não é para menos. As perdas sofridas em março revelam debilidades gravíssimas que exigirão um enorme poder de reação das Farc para serem contornadas. O Número 2, Raúl Reyes, morreu num bombardeio efetuado em território equatoriano e se transformou numa rica fonte de informações ao ter seus computadores capturados. Pior foi o destino de Ivan Ríos, assassinado não pelo adversário e sim por Rojas, seu lugar-tenente. E agora o mais antigo guerrilheiro da face da terra se dá ao luxo de morrer de morte natural e não em campo de luta. Nos últimos três anos haviam caído pelo menos outros quatro comandantes: Jota, Negro Acácio, Martín Caballero e Martín Sombra. Não há como esquecer de Simón Trinidad e Sonia, capturados e logo extraditados para os Estados Unidos e da mais cruel de suas combatentes, a temida Karina (nome real Nelly Ávila Moreno) que, cercada e sem alternativas, entregou-se por iniciativa própria, abandonando o campo de guerra a exemplo do que tem feito um número cada vez maior de seus companheiros, principalmente das Frentes que atuavam em Tolima, Antioquia, Caldas, desarticuladas pela pressão militar.
Isso significa que Uribe triunfará e que as Farc estão perto de seu fim? Qualquer resposta, positiva ou negativa, ainda não passa de especulação. Mesmo tendo reduzido significativamente seus efetivos, os atentados e a prática de novos seqüestros, as Farc mantém mais de 800 pessoas aprisionadas, utilizando-as como poderosa moeda de troca e de autoproteção. Sua principal fonte de financiamento, o narcotráfico, está consolidada, mesmo porque o foco do apoio norte-americano foi desviado, na Colômbia, para o combate à guerrilha e tanto a produção quanto o preço internacional da cocaína permanecem em alta. O Secretariado foi refeito, mas enfrenta sérias dificuldades para reunir-se (a comunicação é feita por computador e por emissários), o que significa problemas importantes em manter a unidade de uma guerrilha que tem na autonomia das Frentes muito da sua força, mas que para sobreviver necessita que os líderes tomem pelo menos as decisões estratégicas em conjunto e nunca a pressão das Forças Armadas foi tão efetiva quanto a atual. O novo chefe é Alfonso Cano, um “jovem” antropólogo de 52 anos, até aqui no comando do Bloco Ocidental e responsável pelo Movimento Bolivariano da Nova Colômbia, tido como o projeto político das Farc, o que pode significar maior abertura para negociações. Os outros membros do Secretariado são Ivan Márquez, Mono Jojoy, Timochenko, Joaquín Gómez e o agora promovido Pablo Catatumbo, um dos mais violentos líderes da organização. A estratégia de internacionalização, conduzida por Pedro Marin e Raúl Reyes, não está frutificando por três razões: impopularidade interna da senadora Piedad Córdoba (interlocutora de Chávez e das Farc); reação dos demais vizinhos ao fornecimento externo de dinheiro e armas, impedindo ou diminuindo o apoio recebido dos governos da Venezuela e do Equador; e aos resultados nulos das conversações com o presidente francês e com o grupo de países envolvido no pouco efetivo processo de paz.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro “Guerra en los Andes” (Ed. Abya-Yala, Quito)