Comer bem sem ter de escolher os pratos, deixando tudo por conta do cozinheiro, e sair satisfeito, é um sonho (do cliente e também de quem o serve) que virou moda na onda da cozinha molecular que se consolida como a grande tendência da moderna gastronomia internacional. É o conceito que consagrou a maioria dos escolhidos por um júri de setecentos gourmets para figurar na lista deste ano dos 50 melhores restaurantes do mundo da revista inglesa Restaurant.
Pela terceira vez consecutiva o vencedor foi o El Bulli de Ferran Adriá em Roses, Costa Brava espanhola. Seja lá, seja no britânico The Fat Duck de Heston Blumenthal que manteve o segundo posto ou nos que o seguem cada vez mais de perto – Pierre Gagnaire de Paris, os também espanhóis Mugaritz e Arzak, os norte-americanos French Laundry de Sonoma no Vale do Napa e Per Se de New York (são do mesmo dono), o Brás de Laguiole (França), o Tetsuya’s de Sidney e o Noma de Copenhagen – cada prato é um espetáculo visual à parte, mas as combinações são aparentemente desafios à lógica tradicional. O desfile de especialidades avança na velocidade certa de cada comensal: batatinhas de arroz e parmesão, merengue de beterraba e iogurte, tomate biológico servido num tubo de ensaio, sorvete de baunilha preparado na mesa com nitrogênio líquido a -196 graus centígrados. A refeição (R$ 300,00 a R$ 600,00, fora gorjeta e bebida) deve ser degustada sem pressa, com a devida atenção e não se surpreenda se quatro ou cinco horas se passarem no que ao final parece ter sido só um instante.
A gastronomia experimental ou molecular trouxe a ciência da alquimia e dos laboratórios para dentro da cozinha. Com centrífugas, maçaricos, fornos e o que mais for necessário, unem-se cozinheiros e químicos para trabalhar com produtos sintéticos e criar uma emulsão, um gel, as já famosas espumas multicores que fazem da mesa um espetáculo. O pato fica muito melhor quando cozido em vácuo durante 12 horas a 52 graus? E a gema de ovo deve ter sido preparada a 65 graus?
É evidente que no mundo da alta gastronomia os especialistas estão longe de qualquer acordo a respeito de técnicas e equipamentos tão revolucionários que cada vez mais concorrem com suas costumeiras panelas e fogões. Há pouco tempo mestre Fasano, que guarda a decepção de nunca ter entrado na lista dos “mais-mais”, escreveu um texto no caderno Paladar do Estadão desancando as espumas e os moleculares. Na verdade, o único brasileiro a conquistar tal galardão é Félix Atala, cujo restaurante D.O.M. (do latim Domus Optimo Maximo) em São Paulo este ano ficou num honroso 40º lugar. Ele serve um menu degustação de oito pratos e não arrisca demais para conquistar aos poucos o gosto da clientela nacional com preciosidades que vai buscar nos confins da Amazônia ou nos rios do centro-oeste. Quem quiser experimentar uma pipoca de arroz selvagem com avelã de cobertura para o bonito, não esqueça de fazer a reserva com antecedência de pelo menos uma semana.
Muitos preferem acreditar em quem está no ramo há mais tempo e não abandonam a cartilha francesa comandada pelo famoso Guia Michelin, que concede suas 3 estrelas a apenas a 24 dos 50 melhores do mundo da revista Restaurant.  Outros buscam experiências mais exóticas. Para esses, uma boa pedida é o Icehotel em pleno Círculo Polar Ártico, na Lapônia sueca, que serve carne de rena em pratos de gelo. É possível almoçar observando o mundo de cima no restaurante da CN Tower (a comida é sofrível, mas a torre é a mais alta do planeta) de Toronto, ou cear no mais antigo restaurante da terra, o El Botín (há concorrentes em Praga e em Leipzig) em Madri com seu imperdível cochinillo, o leitãosinho da casa. Uma opção mais acessível, e em alguns momentos quem sabe até mais gostosa, é o Madalosso em Curitiba, o maior restaurante do Brasil, onde a polenta e o galeto nunca faltam.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional