Na última semana, traficantes e moradores da Vila Cruzeiro no Complexo do Alemão, Penha, zona norte do Rio de Janeiro, literalmente comeram fogo. O pessoal do BOPE – Batalhão de Operações Especiais da polícia estadual baixou com vontade por lá e deu tanto tiro que num só dia matou nove anônimos (nenhum foi identificado), informando que se tratava de bandidos do Comando Vermelho. O comandante, coronel Marcus Jardim, sorriu ao produzir uma frase de efeito, fazendo analogia com o combate à dengue: “A PM é o melhor inseticida social. Não fica mosquito nenhum em pé (sic)”. Azar dos que realmente estavam com a doença e, no caos da saúde carioca, recebiam hidratação numas tendas montadas ao lado do Hospital Getúlio Vargas, que também fica na Penha. Não tiveram alternativa senão a de jogarem-se ao chão em meio do intenso tiroteio. “Nenhum tiro atingiu a tenda” informou orgulhosa a Secretaria da Saúde, enquanto providenciava atendimento de emergência a três pacientes que, nem se sabe bem porque, passaram mal.
O Brasil aprovou em dezembro de 2003 a chamada Lei do Desarmamento que proíbe o porte de armas por civis. Pouco menos de dois anos depois, 92 milhões votaram no Referendo que perguntava se o comércio de armas de fogo devia ser proibido no país e 64% responderam que não, deixando tudo na mesma. O governo diz que tem feito muita força, mas a situação continua preta. Com mais de 34 mil mortes por armas de fogo ao ano, a maioria de jovens, o Brasil lidera as estatísticas mundiais, à frente de países que enfrentam conflitos e guerras como África do Sul (32 mil), Colômbia (22 mil), Venezuela, Tailândia, Iraque. Em estudo ainda recente a UNESCO constatou que num período de 24 anos (1979 a 2003) a população aumentou 52% e as vítimas de armas de fogo 462%. Outra investigação promovida pela ONU informa que de cada 5 pessoas mortas no mundo por armas de fogo, 2 estão na América Latina.
O Ministério da Saúde destaca no seu site: “caem as mortes por arma de fogo”, justificada pela constatação de que os números melhoraram, de 39,3 mil em 2003 para 34,6 mil em 2006. Se nada tivesse sido feito pela polícia, o esperado seriam impressionantes 45,7 mil óbitos. O caso de sucesso mais comentado no momento é o do estado de São Paulo onde, segundo seu Secretário de Saúde, Luiz Roberto Barata, houve entre 1999 e 2006 uma diminuição de 51% nos óbitos por homicídio, referindo que o resultado é superior ao obtido com a política de segurança radical implantada por Álvaro Uribe na Colômbia. As razões seriam o aperfeiçoamento da polícia estadual e da rede de atendimento médico-sanitário, proibição de bares em certos locais e horários, além de maiores alternativas de socialização para a juventude. Também em Campinas os dados são positivos, com reduções que chegam a 2/3 dos casos.
Apesar de tudo, as chamadas “causas externas” (incluem homicídios, acidentes, suicídios) que na década dos anos 30 do século passado representavam apenas 3% de todas as mortes no Brasil, agora estão no patamar dos 13%, perdendo apenas para as doenças do aparelho circulatório e para os cânceres, mas bem à frente por exemplo dos problemas do aparelho respiratório e das doenças infecciosas que antigamente predominavam A pesquisadora da Fiocruz Maria Cecília Minayo fez uma lista do que considera como causas deste quadro: desigualdade, injustiça, corrupção, impunidade, violação dos direitos humanos, banalização e pouca valorização da vida. Achou desnecessário acrescentar itens como a lentidão da justiça, a descrença na classe política e tantos outros. E sua cidade, como está? Você que lê esta coluna poderia opinar e indicar soluções. Afinal, a segurança transformou-se no problema número um nas cidades grandes e médias, e as eleições vêm aí. 
       


Vitor Gomes Pinto
Escritor, Doutor em Saúde Pública