O chavismo, ao menos por enquanto, resiste sem Chávez, como demonstraram cabalmente as eleições do último domingo para os governos estaduais em toda Venezuela. Num pleito com baixíssimo comparecimento ─ votaram apenas metade dos eleitores inscritos ─ os candidatos do situacionista Partido Socialista Unido da Venezuela, PSUV, triunfaram em 20 dos 23 estados, mantendo-se no poder onde já governavam e conquistando importantes e tradicionais bastiões antichavistas como em Zulia, onde Francisco Arias Cárdenas bateu ao governador que tentava a reeleição, Pablo Pérez, um dos principais líderes do Movimento Unido Democrático, MUD. Carabobo, Táchira na fronteira com a Colômbia, Monagas e Nueva Esparta (com a turística Isla Margarita), tiveram o mesmo destino. À guisa de consolo, restaram para a oposição os estados de Lara, Amazonas e a joia da coroa, Miranda (em cujo território está Caracas), que reelegeu Henrique Capriles, o mesmo que no pleito nacional de outubro último conquistou 6,5 milhões de votos, 44% do total.
O país está politicamente em suspense aguardando o próximo dia 10 de janeiro, a data em que Hugo Chávez Frías, presidente desde 1999, deve ser empossado para mais um mandato de seis anos, caso consiga retornar de Havana, Cuba, onde luta para recuperar-se da quarta cirurgia de remoção do câncer que o debilita desde o diagnóstico vinte meses atrás. Desta feita a recidiva é tão severa que o próprio paciente não parece acreditar em sua recuperação e no estilo imperial que o caracteriza decidiu nomear um sucessor. No pronunciamento à nação feito em cadeia de rádio e televisão na noite do sábado 8 deste dezembro, à sua direita estava o presidente do Congresso Diosdado Cabello; à esquerda o vice-presidente Nicolás Maduro e logo atrás Elías Jaua, ex-vice e candidato oficialista em Miranda. Os três maiores pretendentes ao posto de sucessor não cabiam em si na expectativa pelas palavras do comandante que, já sabiam, haveria de coroar a somente um deles. Se algo ocorrer que me inabilite de alguma maneira, minha opinião firme, plena como a lua cheia, irrevogável, absoluta, total, é que vocês elejam Nicolás Maduro como presidente da República Bolivariana da Venezuela.
Qual será o final desta típica novela latino-americana, onde os caudilhos imaginam manejar os cordéis na vida e na morte? Hugo Chávez, como um redivivo Júlio Cesar (nomeado Ditador Perpétuo em 45 A.C.), já tentou aprovar leis que lhe permitam a reeleição eterna, mas as armadilhas criadas por seu próprio organismo talvez o impeçam de repetir a trajetória de Josip Tito ou de François Duvalier que nunca deixaram o poder. Caso ele não possa assumir, mas volte ao país em condições de participar da curta campanha de trinta dias prevista pela Constituição para o novo pleito, certamente assegurará a unidade da aliança de governo e a eleição de Maduro. Ao contrário, reacendem-se as disputas no interior do PSUV. Diosdado Cabello não pode ser considerado fora da disputa em qualquer hipótese, principalmente se a ala militar do chavismo, da qual é o homem forte, resolver lançar candidato. Contra si pesam acusações de enriquecimento rápido e ilícito, nunca comprovadas graças ao rígido esquema que protege os amigos de Chávez. Maduro, tem a vantagem da preferência do comandante a quem, durante o período de domínio bolivariano, vem devotando fidelidade canina, mas essa pode não ser garantia suficiente na luta feroz pelo poder que se avizinha. Do outro lado, as chances da oposição são quase nulas ainda que retome a candidatura de Capriles, que se orgulha por já ter derrotado a dois vices nas disputas pelo governo de Miranda (Diosdado e Jaua) e tem um sólido reconhecimento nacional angariado na recente campanha presidencial.
Chávez, na cruzada ao final de 1998 que terminou por elegê-lo, jurou varrer com tudo o que começara em 1959, ou seja, o período democrático iniciado com a derrubada da ditadura de Pérez Jimenez por Rómulo Betancourt. Cumpriu sua promessa e agora a retomada da democracia, embora seja uma tarefa fundamental para a sociedade venezuelana, continua, a curto prazo, no rol das missões quase impossíveis.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.