A liberação de Clara Rojas e de Consuelo González de Perdomo uniu-se, afinal, à descoberta de Emmanuel que há dois anos estava sendo bem cuidado pelo Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, uma instituição pública que apesar das dificuldades orçamentárias mostrou sua eficácia. Não obstante as duras condições da vida em cativeiro em plena selva, ambas ressurgiram aparentemente em boas condições físicas e psicológicas, desmentindo os rumores em contrário e do que se esperava depois da revelação das recentes imagens de Ingrid Betancourt na qual ela aparece muito debilitada. Ao que tudo indica, elas conseguiram adaptar-se mesmo às correntes que informaram ser periodicamente colocadas nos prisioneiros e aos constantes deslocamentos pela mata e pelas montanhas. Confirmaram-se, também, as intensas dificuldades que as FARC estão enfrentando desde que as Forças Armadas acrescentaram à ofensiva militar uma permanência regular em longínquas localidades recuperadas ao controle da guerrilha. O local da entrega, num povoado indígena perdido nos confins do estado de Guaviare, já há algum tempo está sob pressão do exército, cuja presença se fazia sentir a apenas dois quilômetros dali.
Numa análise sobre o confronto entre governo e insurgentes, o pesquisador Román Ortiz, depois de observar as grandes reduções no número de atentados, bloqueios de estradas e seqüestros nos últimos anos em todo o país, concluiu que embora as FARC já não tenham a capacidade de desenvolver operações terroristas de envergadura, segue distante a possibilidade de que sejam submetidas a uma ampla derrota militar. Empurradas para áreas de difícil acesso, voltaram a adotar a tática dura da guerra de guerrilha, que desgasta o inimigo e prolonga indefinidamente a luta.
Os números não são precisos, mas se calcula que existam na Colômbia cerca de 21 mil guerrilheiros das FARC (16 mil como combatentes e 5 mil como militantes urbanos) e 3,5 mil do ELN (além de no mínimo outros mil como apoio nas cidades); 300 do Exército de Liberação Popular (EPL); 2 mil paramilitares das Autodefesas que não se incorporaram ao processo de paz com o governo; 209 mil militares das Forças Armadas (180 mil do Exército, 22 mil da Marinha, 7 mil da Aeronáutica), 121 mil da Polícia e 8 mil da Milícia Rural. Adicionando-se uns 210 mil vigilantes privados y 3,5 mil “gatilleros” do narcotráfico, chega-se a um total de 579,3 mil combatentes, ou seja, 27,5% mais que os 454,5 mil estimados para 2004. Para uma população de 44,2 milhões de habitantes, há uma média de 131 profissionais ou militantes em armas por 10.000 colombianos (dados do livro Guerra nos Andes do autor). Com um desequilíbrio de forças tão grande, como se justifica a permanência no país a 41 anos do grupo chefiado por Manuel Marulanda, o Tiro Certo e, atualmente, a manutenção de 750 pessoas seqüestradas em seu poder? A resposta está em que, além das características muito especiais do território colombiano, o conflito em seu todo é alimentado pelo tráfico de cocaína e de heroína, negócio milionário que, este sim, não consegue ser derrotado.
Em tais condições, os argumentos de Hugo Chávez e da senadora Piedad Córdoba pedindo o reconhecimento das FARC e do ELN como grupos políticos, portanto com direito a sentarem-se como se governos paralelos fossem à mesa de negociação, coloca em cheque toda a estratégia política desenvolvida por Álvaro Uribe com apoio norte-americano. Uma vez que a condição de terroristas e de narcotraficantes é apenas uma resultante da forma concreta de atuar das duas maiores organizações guerrilheiras da Colômbia, e não uma invenção de quem quer que seja, em princípio bastaria que mudassem de comportamento para receberem garantias de existência como agremiação política. Como não há qualquer compromisso de Marulanda e de se seus porta-vozes nesse sentido, surge uma imediata e radical rejeição à sugestão de Chávez, um líder que nunca foi neutro, embora saiba que não teria apoio do povo venezuelano caso decidisse aliar-se às FARC para combater militarmente a Uribe. Existe, no entanto, uma boa dose de racionalidade na proposta. É evidente, como afirmou Chávez, que não há paz possível se os dois lados não sentarem para conversar. É preciso, contudo, muito mais do que um simples discurso para que um acordo seja alcançado. No momento, é necessária uma proposta efetiva do Secretariado das FARC, feita diretamente e não por meio de representantes ainda não formalmente reconhecidos, como o presidente da Venezuela e a senadora do Partido Liberal colombiano.


 


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Autor do Livro Guerra en los Andes (Ed. Abya-Yala, Quito)