Recentemente foi noticiado um evento cada vez mais comum: a passageira de determinado voo, que viajava com seus dois filhos de pouco mais de três anos de idade, foi hostilizada por outras duas mulheres que, já no embarque, disseram que não entrariam no avião com crianças a bordo; dentro da aeronave por coincidência essas pessoas sentaram próximas à mãe e seus filhos iniciando bullying com movimentos bruscos de encosto de poltrona e outras pérolas da falta de educação, chegando a derrubar brinquedos das crianças e celulares.

A população mundial está próxima de oito bilhões de pessoas, e crescendo, esse contingente se acumula em espaços cada vez menores “per capita”. O acesso a recursos antes restritos a poucos está se universalizando, viagens aéreas, transporte individual, frequência a restaurantes, supermercados e shoppings. A consequência inevitável é a diminuição do espaço disponível e formação de filas.

Nas cidades, em algumas avenidas a largura das faixas de rolamento e distanciamento lateral entre veículos torna-se cada vez menor, fruto da prancheta de urbanistas que trabalham com modelos idealizados de carros e de motoristas contestando a regra acaciana de que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo.

Esses e outros exemplos dão a medida de uma explosão em curso, não toleramos os próximos a partir do momento em que essa proximidade é muito reduzida.

Num mundo de sonho os espaços seriam suficientes para acomodar a todos em todos os lugares com conforto e segurança, num mundo de pesadelo o acesso seria drasticamente restringido e apanágio apenas de privilegiados, no mundo real geralmente crianças choram, idosos são mais lentos, cachorros latem, adolescentes são irrequietos, e precisamos conviver da melhor e mais civilizada maneira uns com os outros no espaço disponível.

Há um tipo de negacionismo na maneira como pessoas, perfeitamente razoáveis em outras situações, disputam cada ínfima vaga que imaginem existente no trânsito, elevadores, coletivos, cinemas… como se ignorar a necessidade de esperar sua vez gerasse uma espécie de direito aristocrático.

Fato é que cumprir regras de convivência implica em comprometimento, caracterizado por um sentimento de lealdade, obediência, adesão às normas e procedimentos sociais, vínculo que normalmente expressa subordinação a uma figura de autoridade.  Dimensões afetivas e normativas impedem o comportamento de negligência para com os demais, e então o comprometimento funciona como uma atitude, uma força ou vínculo.

Quando afeto, cognição e comportamento diferem bastante do conceito de atitudes consideradas adequadas pela comunidade, como por exemplo declarar-se contra o armamento quando o grupo de influência é francamente armamentista, apologias à violência como sinônimo de esperteza, fatores como personalidade e valores, intrínsecos de cada pessoa, e extrínsecos, como normas consideradas injustas ou não valorizadas, determinam a maneira como o indivíduo irá interpretar cada situação e responder a estas.

Nestes casos, o desejado, ou seja, o comprometimento afetivo, a obrigação – comprometimento normativo – e os custos percebidos em se adotar determinadas atitudes podem alterar significativamente a vivência em sociedade. Comportamentos erráticos e normas antissociais de dirigentes podem alterar a noção de vínculo, estado psicológico que é representado fortemente através de um apego ao alvo da postura ideal, a motivação pela qual assumimos esta ou aquela atitude como adequada. Frequentemente, isso resulta em obediência cega, que não envolve avaliação ou julgamento das afirmações do superior hierárquico, e nos exime das responsabilidades pelas consequências, principalmente negativas, que possa advir de nossas ações.

Boas escolas procuram trabalhar com o contrário desta característica: a aceitação Íntima das normas e regras, cumprimento das normas e regras estabelecidas em função de uma concordância autêntica aos procedimentos e os valores que embasam as decisões dos gestores. Professores devem representar bons modelos, e o conhecimento um ideal a ser alcançado.

 

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.