Quando eu era aluna do que hoje é o ensino fundamental, ficar de recuperação funcionava como um castigo. Aquele que não tirava notas boas o suficiente tinha uma semana para aprender (sozinho) tudo que não havia entendido durante o ano e provar que poderia seguir adiante. Quem passava na primeira prova lamentava a semana de férias desperdiçada e prosseguia o jogo levando alguma deficiência de aprendizagem para a série seguinte. Os que não conseguiam tinham uma nova chance na prova final e quem ainda assim não alcançasse a pontuação repetia o ano. Nada nesse arranjo incluía recuperar o conteúdo perdido ou criar condições para avançar.
Semana passada acabou o processo de recuperação na escola de minhas filhas. Lá, ele não se dá no fim do ano, os alunos têm uma oportunidade a cada trimestre. Todos eles se envolvem, tanto os que precisam de ajuda quanto os que podem ajudar. Os professores também estão presentes. Melhorar o aproveitamento do grupo é responsabilidade – e mais, é desejo de cada uma das crianças e de cada um dos adultos. Três diferenças importantes em relação ao que se dava antes:
Ninguém segue com defasagens. Quase tudo que se aprende na escola depende de um conhecimento anterior. Se meu entendimento de adição (para ficar no exemplo mais simples) não é 100%, como passo tranquilinha para a multiplicação?
Ninguém precisa se sentir envergonhado ou castigado porque não alcançou um conteúdo. Algumas coisas são mesmo mais complicadas. Para entendê-las, é preciso ouvir, pensar, tentar de novo e de novo…
Passar direto, ainda que por sorte, não é mais o objetivo. O que se quer é aprender, fazer a cama para o próximo ano, tirar tudo que varreu para debaixo do tapete.
Pois proponho que adotemos essa nova recuperação para a vida. É precioso parar para pensar nas lacunas, assumí-las, pedir ajuda a quem está seguindo mais tranquilo, dar atenção às nossas contas de adição, levantar o tapete empoeirado, ouvir de novo, tentar de novo. E se, ainda assim, continuar difícil deixar a cama bem-feita, é só lembrar que ‘repetir de ano’ não é o fim do mundo. Passar direto não precisa mais ser objetivo de ninguém.
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