A alma de Cleusa Salomão

Bem Paraná

A correria dos dias de hoje somada à infinita quantidade de informações que temos à nossa disposição – vindas de diversos modos de publicações, mais a onipresente Internet – faz com que acabemos por esquecer as pessoas queridas que já não estejam entre nós.

Assim, vários dos artistas que se foram não são lembrados, a não ser eventualmente, e suas linguagens artísticas vão se desvanecendo ao longo do tempo…
É o que acontece com minhas lembranças de todos aqueles professores de pintura, desenho, modelagem, da Escola de Música e Belas Artes: Theodoro De Bona, Waldemar Curt Freysleben, Guido Viaro, Arthur Nísio, Leonor Botteri, que vão lentamente passando para o território do esquecimento… e suas obras também.
Ainda bem que existem acervos! E é justamente neles que podemos vislumbrar parte do que eles nos legaram. Para quem trabalha com acervos, como é o meu caso, é importante destacar a importância das doações que os próprios artistas, ou então seus familiares, fazem ao patrimÿnio público. Isto porque, muitas vezes, a família não pode manter uma coleção de arte em casa por diversas razões. Entre elas, as principais são a falta de espaço adequado e o custo elevado da conservação das obras.

O que escrevo aqui foi provocado pela lembrança de Cleusa Salomão, nascida e falecida em Curitiba, respectivamente, em 20 de junho de 1934 e 21 de março de 1983. Diferentes dos artistas citados acima, a respeito dos quais existe certo consolo devido à idade, ela morreu cedo, aos 48 anos.

E sua família generosamente doou uma parte significativa de sua obra, constituída por esculturas e pinturas, ao Acervo Artístico da Fundação Cultural de Curitiba, o que me faz traze-la a público aqui na coluna, mais uma vez. Um lembrete: também vim buscar várias obras da artista aqui, na redação do “Jornal do Estado”, doação do nosso diretor Rodrigo Barrozo para nosso acervo.

Porém, Cleusa não lidou somente com estas duas modalidades de arte. Extremamente batalhadora, foi o seu empenho que estabeleceu a primeira feira de arte e artesanato em Curitiba, tendo Ivany Moreira como autora conceitual do projeto. Inaugurada em 03 de janeiro de 1970, na Pérgula (estrutura de concreto que existia na Travessa Oliveira Belo), a primeira Feira de Arte e Artesanato de Curitiba mudou, na mesma semana, para a Praça Zacarias – um local mais amplo.

Seu trabalho no início era feito com peças de ferro velho. Sobre ela, escreve Adalice Araújo: “Apesar de autodidata, sente-se na obra escultórica de Cleusa Salomão todo um processo de sensibilização de experiências acumuladas nos campos da música e da poesia. Além disso, como professora de geografia, obriga-se a constantes leituras sobre Antropologia, Astronomia e Arqueologia; sendo influenciada, inclusive pela Filosofia Cósmica que professa.”

Além de escultora e pintora, foi antiquária, fundadora do “Museu Bric a Brac”, aberto à visitação pública, anexo ao seu atelier que ficava na Rua José de Alencar, 589. Ela e o museu saíram na “Revista Geográfica Universal”, num artigo sobre Curitiba.
Do mesmo modo, a realização dos primeiros “happenings artísticos” em nossa cidade se deve a Cleusa Salomão, que, já naquele tempo, era uma artista performática. No gênero, o seu evento mais famoso foi a exposição de esculturas e pinturas que realizou, em 1980, na “Eucatexpo”, quando chegou à galeria de arte em um antigo carro do Corpo de Bombeiros, sendo saudada na entrada por toques de clarins.

Apesar da ênfase nas esculturas, suas pinturas nada ficam a dever. Ambas as técnicas apresentam qualidades estético-artísticas que salientam a originalidade de sua arte, centralizada numa cosmologia toda própria. Ali estão presentes: sua concepção do mundo, sua personalidade carismática e principalmente sua garra de lutadora cerceada por uma Curitiba convencional e tradicionalista dos anos 70 e 80.

Em 2004, fiz a curadoria de sua exposição: “Cleusa Salomão – Pinturas e Esculturas do Acervo”, no Museu Metropolitano de Arte de Curitiba, e uso suas palavras poéticas para finalizar: “E nada, nada poderá modificar o meu ser que se aproxima na distância cada vez mais dentro de tua eternidade”.