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A arte dos arabescos

Nilza Procopiak

Quem a vê, com vestes características do Oriente, jamais poderia imaginar que Larissa Franco não fosse nascida no outro lado do mundo, em algum lugar variando entre as Arábias e a Índia. Pois, não só sua vestimenta – aliás, de extremo bom gosto – quanto seu tipo físico denotam claramente estas influências.   Porém, Larissa é curitibana da gema e uma das nossas maiores artistas plásticas. Prova disso aconteceu quando o curador Paulo Herkenhoff selecionou 50 artistas do Brasil para a exposição Tomie Ohtake na Trama Espiritual da Arte Brasileira, no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, na qual se destacava uma única presença paranaense, a da também gravadora Larissa Franco.

Participante do módulo O Impronunciável – ao lado de Mira Schendel, Anatol Wladyslaw, Jac Leirner, Massao Okinaka e Amélia Toledo – Larissa, segundo Herkenhoff: “compreendeu como a decoração é o leitmotiv da arte islâmica. Ela cria uma poética do texto de surahs do Corão e a decoração remete a diferentes aspectos da cultura de povos islâmicos. Suas gravuras mais geométricas remetem à dança dos dervixes da Turquia. A escritura do nome de deus e ornamento abstrato com significados simbólicos são a forma de superar o interdito da representação da figura humana ou do irrepresentável. O mesmo tempo, mantém a possibilidade de tornar visíveis os índices do sagrado irrepresentável”.

A quem perguntar o porquê desta exposição, que já fora apresentada no Museu Nacional de Belas Artes, RJ, ao ser montada no Museu Oscar Niemeyer, mostrava mais gente do Paraná, explico que Herkenhoff aumentou a participação paranaense somente na versão daqui, incluindo mais 13 artistas, que iam desde Alfredo Andersen à contemporaneidade, numa mini-história da nossa arte.

  Desde criança, Larissa se sentiu ligada à atmosfera das intermináveis narrativas das mil e uma noites. Numa analogia com as palavras que nos enredam nos contos de Sherazade, os meandros gravados ou desenhados pela artista nascem fundamentados em seus estudos da escrita árabe: as suras do Alcorão, a literatura e a linguagem são analisadas e desenvolvidas esteticamente em um magnífico trabalho de composição artística que prende o olhar, obrigando-o a seguir as curvas e dobras das linhas.   Na sua obra é inserida uma sensualidade velada, que faz com que a sedução da caligrafia árabe se alie aos gêneros humanos. Assim, o olhar direto e objetivo – portanto masculino – de visitantes, se perde nos meandros femininos de suas gravuras e desenhos, exatamente como o califa mergulhava na fascinante narrativa de Sherazade.   Por outro lado, a proibição da reprodução da figura humana que deu vazão à criação do arabesco, também contribuiu para o desenvolvimento de uma beleza estética unida à linguagem, que é aproveitada e explorada no sentido ornamental tradicional. Em sua origem “o arabesco obedece a duas regras: a alternância rítmica do movimento e a tendência de cobrir inteiramente a superfície em que é trabalhado”. Franco, Larissa. Monografia Pós-Graduação. EMBAP;1997.
  Inegavelmente de origem árabe – o próprio nome já o diz – estes desenhos contêm o mistério e essência da cultura que conquistou o antigo Império Romano do Oriente, a mesma que, mais tarde, exerceu profunda influência no âmago dos povos da Península Ibérica e que dali, e também com os patrícios, veio ao Brasil.  E que, do mesmo modo, cativou Larissa.  
 
E não se pense que a artista simplesmente desenvolve plasticamente as formas dos arabescos. Ela é profundamente interessada nas culturas orientais, mesclando elementos da Índia com os arábicos, estuda a língua e a literatura árabe e possui um sólido embasamento teórico que nasce no sufismo. Este termo designa o misticismo arábico-persa, em que o espírito humano é uma emanação do divino, ao qual se esforça por se reintegrar, configurando a unidade dentro da multiplicidade. Seu conhecimento vai dos escritos de Jaladuttin Rumi a Omar Khayam, entre os muitos que pesquisa.   Ultimamente, ela está trabalhando em desenhos com cores, em que o escarlate e o dourado, junto aos arabescos, passam a ser destacados, como os apresentados na mostra “Universo Feminino”, Museu Alfredo Andersen, no início do ano.  
 
No dia 07 de setembro, abriu no GOLOBOROTKO’S STUDIO, em Nova York, a exposição “Gravura Contemporânea do Brasil” com obras selecionadas de 29 renomados gravadores, entre os quais Márcio Pannúnzio, Marco Buti, Cláudio Mubarac, Armando Sobral, Arnaldo Bataglini, Francisco Maringelli, Maria Villares, Renata Basile da Silva, Jacqueline Arionis. Então, na mesma galeria onde também Beatriz Milhazes realiza uma individual, está Larissa, cujas gravuras em metal mereceram especial atenção dos curadores do MoMA – Museum of Modern Art, segundo Eduardo Besen da Galeria Gravura Brasileira, responsável pela mostra. Ver: www.goloborotko.com  e  www.moma.org  .


 


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