Acabei de assistir uma verdadeira aula de interpretação. Mas, não estou falando de artes visuais e sim, de música.


Uma das figuras mais trágicas do mundo da ópera, Maria Callas, foi a protagonista deste filme levado ao ar, em 06 de setembro, pelo canal Film and Arts. Não posso precisar o título porque, infelizmente, desconsiderado como atração, não é publicada uma grade normal do canal nem na revista que os assinantes da TV a cabo pagam para receber. Só no Brasil, não é?


Comparando o quanto os países desenvolvidos investem em arte, aqui nem mesmo os canais que nos trazem um pouquinho do verniz artístico conseguem alcançar um patamar, de audiência ou importância, que os justifiquem como investimento e sua programação é relegada às últimas páginas da revista, sob denominação geral de todas as séries apresentadas no mesmo horário e separadas por barras, impossíveis de identificar.


Então, fico lhes devendo o título e o nome da série, pois só sei que passou no canal citado acima. O único consolo é que os filmes ali exibidos são reprisados várias vezes – um modo, talvez, do próprio canal compensar a falha na divulgação – o que dá oportunidade de vê-los novamente.


Porém, voltando ao tema, o documentário apresentou sob a forma de depoimentos, uma aula semiótica de interpretação da música, analisando, além do canto propriamente dito, o gestual dos intérpretes, as nuances de entonação, da duração das notas musicais, dos sons, do sentimento imbuído na música, e focalizou, principalmente, a principal característica de Callas: a encarnação do “pathos” de seu personagem.


Proveniente do grego, “pathos” define, em geral, o patético, mas como na Grécia Antiga este qualificativo não podia ser separado do trágico, ou, até melhor, era inerente às tragédias gregas, o seu alcance se torna muito maior, referindo-se à impossibilidade de um livre arbítrio humano perante o destino, frente às armadilhas e tramas da vida, geradas, quem sabe?, pelos deuses do Olimpo.


As palavras de todos os entrevistados no documentário, inclusive do diretor Franco Zeffirelli, dos tenores Placido Domingo e Titto Gobbi, sustentam este aspecto do canto de Callas.


E ela mesma aparece, em depoimento filmado, discorrendo sobre os sentimentos imbuídos e embutidos por ela ao cantar e declarando que as infinitas variações do seu canto tinham origem na própria música, não nos sons, mas na pauta musical. Ela explica, no que é confirmado por outros entrevistados, que cada nota, cada intervalo, ou até mesmo alguma anotação manuscrita adicionada posteriormente pelo compositor, eram pistas para o desenvolvimento modulado de seu canto. Callas se punha, não só no lugar do compositor, como nos anseios de quem compôs a música.


E este é um processo absolutamente semiótico, com o autor falando através da interpretação da cantora que procura reduzir sua interpretação ao que deduz que o compositor quis dizer na música. E talvez, tenha sido este o grande talento de Callas: moldada no canto da pauta musical, sua voz chegaria à fonte primordial da música, aproximando-se do melhor do autor, que seria a sua fala primeira, que contém a qualidade mais visceral dos sons. Posição esta, diametralmente oposta ao que me parece ser a de outras sopranos da atualidade, nas quais se sente o desejo de recriar a voz do autor, não dando vez ao compositor e sim, às suas personalizadas interpretações pessoais, modificando andamentos, modulações e demais características que, ao longo do tempo, vão se distanciando cada vez mais, da autoria.


Sobre Tosca, escrita em 1900, do compositor italiano Giacomo Puccini (Lucca – 1858 – Bruxelas – 1924), foi a segunda ópera das dez que compôs, na qual o papel do destino é implacável, morrendo seus dois personagens masculinos.


Voltando ao filme, uma curiosidade é Placido Domingo confessando que o maior arrependimento na sua carreira foi não ter cantado com Callas, que, literalmente morreu de amor, pela música e por Aristóteles Onassis. Talvez a vida de Callas tivesse sido bem diferente se ambos tivessem cantado juntos…


Para quem se interessa pela maior soprano que o mundo já ouviu, uma excelente biografia que conta sua vida fascinante foi escrita por Arianna Stassinopoolus Hutchinson. Intitulada “Maria Callas – A mulher por trás do mito”, foi escrita em 1981 e publicada pela CIA. DAS LETRAS, no Brasil, em 1996.


Leila Pugnaloni abre, às 19h, do dia 15 de setembro, a exposição “Transporte”, na Galeria Ybakatu Espaço de Arte (Rua Itupava, 414 fone 41- 3264-4752).