Somente quando se compara ao modo restrito de como viviam as mulheres na década de 50, ou seja, 30 anos após a exibição de sua pintura admitida no Salão Oficial dos Artistas Franceses, em Paris, em 1922, podemos ter noção do pioneirismo de nossa artista maior Tarsila do Amaral, tanto na vida quanto na arte.
E agora, no Museu Oscar Niemeyer, a exposição “Percurso Afetivo” apresenta na Sala Rembrandt, um recorte de sua produção em pintura e desenho. De acordo com o curador Antonio Carlos Abdalla, o enfoque no qual se prende a mostra corresponde a uma postura intimista, de aspecto temático e algumas vezes, cronológico. Diz ele: “O aparente e proposital caos foi planejado para que o visitante possa se sentir mais próximo da vida da artista, admitindo a visualização das obras individualmente e livre de classificações e regras”.
Nascida em 1º de setembro de 1886, na fazenda São Bernardo, Município de Capivari, SP, Tarsila era filha de José Estanislau do Amaral e Lydia Dias de Aguiar do Amaral. Seu avô era conhecido como “O Milionário”, devido à fortuna proveniente das inúmeras fazendas possuídas no interior do Estado de São Paulo, em parte herdadas por seu pai, locais onde a menina viveu até sua adolescência. Então, Tarsila segue para a cidade de São Paulo e passa a estudar no Colégio Sion até que possa completar sua formação em Barcelona, na Espanha. Ali, aos 16 anos, faz sua primeira pintura que intitula “Sagrado Coração de Jesus”. Aos 20 anos, em 1906, se casa com André Teixeira Pinto e vem a ter Dulce, sua única filha.
Separada do marido, começa a trabalhar com escultura, em 1916, orientada por Zadig e Mantovani, em São Paulo. Mais tarde, estuda desenho e pintura com o mestre Pedro Alexandrino e com George Fischer Elpons. Em 1920, embarca para a Europa com o objetivo de ingressar na Académie Julian, em Paris, cidade onde também freqüenta o atelier de Émile Renard. Foi nesta época que teve sua tela aceita no Salão.
Retorna a São Paulo em 1922, une-se a Anita Malfatti, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, formando o chamado Grupo dos Cinco, que defende o movimento modernista no país. Embora não tenha sido participante da “Semana de 22”, integra-se ao Modernismo ao mesmo tempo em que inicia seu namoro com o escritor Oswald de Andrade. Volta à Europa em 1923 e contata intelectuais, pintores, músicos e poetas modernistas que lá se encontravam. Estuda com Albert Gleizes e Fernand Léger, grandes mestres cubistas. Mantém estreita amizade com Blaise Cendrars, poeta franco-suíço que visita o Brasil em 1924. Inicia sua pintura “pau-brasil” dotada de cores e temas acentuadamente brasileiros.
Expõe em Paris, em 1926, obtendo grande sucesso. Neste mesmo ano, se casa com Oswald de Andrade. Dois anos depois, pinta o “Abaporu” para dar de presente de aniversário ao marido, que se empolga com a tela e cria o Movimento Antropofágico, sendo obviamente a pintura “Antropofagia”, pintada por ela em 1929, o ícone que representa este período. Infelizmente, no mesmo ano, com a quebra mundial da Bolsa a artista perde seu patrimônio, é obrigada a hipotecar suas fazendas e imóveis, e passa a enfrentar restrições financeiras, algo que lhe era totalmente desconhecido até este ponto de sua vida. Assim mesmo, ela expõe individualmente pela primeira vez no Brasil. No ano seguinte, separa-se de Oswald.
Em 1933, pinta o quadro “Operários”, que dá início à pintura social no Brasil, e participa do I Salão Paulista de Belas Artes, realizado em 1934. Vem a conhecer o escritor Luís Martins e passa a viver com ele por quase vinte anos, dos anos 30 aos anos 50.
De 1936 a 1952, também trabalha como colunista nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
Na década de 50, a artista retorna ao tema “pau brasil”. Participa da primeira Bienal de São Paulo, que aconteceu em 1951. Em 1963, a artista é homenageada com uma Sala Especial na 7ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, com Participação Especial, na 32ª Bienal de Veneza.
Tarsila vem a falecer em São Paulo, em 17 de janeiro de 1973. Foi a pintora mais representativa da primeira fase do movimento modernista brasileiro, e até hoje posso dizer que não surgiu na arte brasileira nada que a supere, quer seja na individualidade, ou na criatividade, ou na simplicidade das formas alongadas e distorcidas absolutamente únicas e individuadas da artista.
Até 05 de outubro, no Museu Oscar Niemeyer (Rua Marechal Hermes, 999 fone 41 3350-4400)