A sensibilidade de Alice Ramos

Nilza Procopiak

    É óbvio que cada artista procure sua linguagem individual, aquele algo mais que faça sua obra distinguir-se dos demais. Aliás, a busca pela expressão pessoal é uma das mais difíceis tarefas a que se propõe quem pretende navegar pelas áreas imprevisíveis das artes visuais. Também creio que encontrar seu lugar no âmbito da fotografia é talvez o caminho mais árduo, uma vez que esta modalidade é a que apresenta maior número de candidatos – leiam-se concorrentes – pela aparente facilidade do ato fotográfico, agora reforçada pela proliferação das câmeras digitais.

Quem acompanha meus textos sabe o quanto enfatizo uma série de questões importantes que estão por detrás do aparente “clic” do fotógrafo. Basta ver qualquer cena em filmes ou televisão na qual há um fotógrafo profissional trabalhando para perceber que a facilidade é suposta. Pois, o que pode parecer simples e acessível transforma-se em toda uma seqüência de imagens das quais somente uma ou duas serão aproveitadas. E a seleção das fotos finais – principalmente a feita pelo próprio autor – também diz muito do “olho” ou sensibilidade do fotógrafo ao filtrar suas melhores fotos.

Então, em fotografia poucos serão escolhidos e esta escolha será devida à linguagem artística específica de cada um, fator que individualiza e legitima os grandes fotógrafos. Entre eles, Alice Ramos se destaca produzindo projetos autorais que questionam valores estéticos e sociais.  Ex-aluna de Design na Escola de Belas Artes da UFBa, começou a atuar como fotógrafa autônoma em 1992. Estagiou em estúdios e laboratórios baianos e trabalhou como repórter fotográfica do caderno de cultura do jornal “Correio da Bahia”. Mas, foi a partir de 1995 que seu nome começou a ser conhecido. Fotógrafa especializada em gente, foi Revelação do Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte em 1997.

Segundo a “Folha de São Paulo”, de 02/08/998, em texto de Joni Anderson: “A sugestão veio de Curitiba, mas a profissional responsável por uma das idéias mais originais da II Bienal Internacional de Fotografia Cidade de Curitiba mora em Salvador. Negra, 25 anos, com 1,59 metro e pesando 80 kg, seu trabalho tem quase um cunho biográfico. Explorando unicamente a sensualidade de mulheres gordas, Alice consegue imprimir tratamento de arte e ainda questionar os padrões estéticos com naturalidade, sem cair no lugar comum.”
Convidada para a nossa Bienal de 1998, ela definiu um tema: a exposição intitulada “Redondamente Enganado” que viria ser o carro-chefe de sua fotografia. No texto, Joni explica que ela “pôs anúncio em jornais, salões de beleza e docerias de Salvador. Na pré-seleção, mais de 120 interessadas foram entrevistadas em reuniões regadas a refrigerantes, bolos,  tortas e doces nada dietéticos. Feita a seleção, foram escolhidas dez mulheres de todas as raças e idades, com peso 20, 30 ou mais quilos acima do ideal.”
Daniela Paiva complementa: “Reverenciando o  curvilíneo, o  circular  e o volumoso, o trabalho procura desmistificar o condicionamento da beleza, leveza e sensualidade ao manequim 36.  Segundo Alice, quem pensa o contrário está… Redondamente  Enganado !”
E, desta individual realizada quando foi criado o nosso Museu da Fotografia Cidade de Curitiba, permaneceram, para nossa sorte, algumas fotos de Alice Ramos no Acervo da Fundação Cultural de Curitiba, uma das quais está agora exposta na mostra “Portrait”. Com minha curadoria, esta exposição está aberta ao público até 05 de julho no mesmo museu. (Rua Pres. Carlos Cavalcanti, 533 fone 41-321-3334).

Porém, a fotógrafa continuou explorando sua linguagem artística em outros temas tão atraentes quanto as fotos que a representaram naquele evento. Assim surgiram os projetos e/ou séries: “Iluminadas” que mostra o universo das mulheres grávidas; “O Amor dos Homens”, livro com fotos de Alice e poesias homoeróticas de Henrique Wagner; “Santo Pecado”, exposição que contrapõe a fartura e a escassez dos Sete Pecados Capitais; “Buscas”, ensaio que retrata bons motivos para as mulheres suarem a camisa; “2 de Fevereiro” que mostra as comemorações do Dia de Iemanjá entre a Cristandade e a fé Africana; “Abrigados”, no qual Alice vem retratando, desde 2001, a resignação, a solidariedade, o sorriso e a solidão de idosos em asilos, de crianças dos orfanatos e de pacientes com câncer. Confira a sensibilidade da fotógrafa no site: www.aliceramos.com.br