Alguém já disse que a vida é uma colcha de retalhos. Lado a lado, coexistem paixões, desejos, sentimentos, fatos concretos – alguns agradáveis, outros nem tanto – todos costurados pela ação do tempo.

Porém, o compasso tranqüilo da existência de anos atrás foi, hoje em dia, levado de roldão pelo ritmo acelerado da atualidade, impondo eventos de toda ordem se sucedendo muito rapidamente. E desse turbilhão existencial, passados alguns anos, o que resta são lembranças que recordam cenas, paisagens, sensações, cheiros, viagens…

Entretanto, há algo – mesmo no jogo de dados da memória – que faz com que certos sentimentos, percepções, imagens, saberes, episódios, perfumes, sensações, se sobreponham com mais intensidade que outros que foram tão significativos e acabaram por se desvanecer.

A pintura de José Gonçalves, que abre sua exposição na próxima terça-feira,  resgata estas reminiscências, trazendo-as para o presente sob dois diferentes approaches: das figuras e formas e do deslocamento que apresenta situações incomuns na composição de suas obras. Nas palavras do cineasta francês Robert Bresson: “O verdadeiro não está incrustado nas pessoas vivas e nos objetos reais que você utiliza. É um ar de verdade que suas imagens adquirem quando você as reúne numa certa ordem. Por outro lado, o ar de verdade que suas imagens adquirem quando você as reúne numa certa ordem confere a essas pessoas e a esses objetos uma realidade.” Em “Notas sobre o Cinematógrafo”. Editora Iluminuras Ltda. São Paulo. SP. 2008.

 Para o pintor o território em branco ali está, é uma superfície que clama pela sua intervenção. Há um momento de certa hesitação seguido da primeira pincelada. Pronto. Agora a seqüência de cenas, lembranças, objetos, vai sendo criada pela sua imaginação que filtra, por assim dizer, as impressões, as reminiscências da infância, do cinema, de sua própria vida, dos seus sentidos, para compor um repositório das recordações.

Mas, não se pode esquecer que a lembrança trai. Nem tudo que é recordado de certa maneira, aconteceu exatamente daquele modo. Isto decorre das alterações provenientes justamente da passagem do tempo, que resultam em novos ângulos, algumas vezes muito mais interessantes do que a presumida realidade.
As recordações que passam para a obra são devido a quatro processos interligados: as imagens mentais provenientes do cérebro; a seleção das imagens que o artista considera essenciais; a atualização dos sentimentos do artista para com elas; e a intervenção estética nas imagens representada pelo seu gosto pessoal. E é neste ponto que nasce a linguagem artística de José Gonçalves.

     Então, no ato de recordar coexistem: o fato tal acontecido; o fato recordado ou resultante do filtro temporal e o fato selecionado pelo artista da maneira como ele deseja, além da inserção de imagens, recortes, cores, com o objetivo de transportar e alterar o episódio original trazendo-o para o território estético-artístico, no qual a composição das formas vai demonstrar o seu valor maior. O verdadeiro ato criador passa então a acontecer na tela com o uso dos materiais, daí se concluindo que a pesquisa mental seria o ponto de partida da sua pintura.
O segundo aspecto – não menos importante que o primeiro – é o repertório de formas e cores que o artista lança mão quando pinta. Assim, a pintura de José Gonçalves transita por pólos que se mantêm relacionados: um eminentemente ligado à memória e outro fundamentado nas formas que o artista vê e/ou cria sob a ótica do deslocamento.

Artista que na primeira exposição que realizou vendeu todas as telas, tal o impacto com que sua arte atingiu a alma do público, o também arquiteto José Gonçalves trabalha suas obras com formas que provêm de suas pesquisas em duas áreas essenciais: o cinema e a fotografia. Segundo ele mesmo declara: — “Sempre do período romântico dos anos 1930 a 1950, a época que exerceu maior influência em minha vida, apesar de não ter vivido naquele tempo.”
A abertura da exposição de José Gonçalves acontecerá dia 25 de agosto, das 19h às 22h30m, na Zilda Fraletti Galeria de Arte (Av. Batel, 1750 centro de Design. Loja 12 Informações: www.galeriazildafraletti.com.br ).