Além dos limites da gravura

Bem Paraná

Abre no dia 09 de outubro, às 19h, a exposição “Caos Aparente – Gravuras de Marcio Périgo”, com minha curadoria, nas Salas do Acervo do Museu da Gravura Cidade de Curitiba, (R. Carlos Cavalcanti, 533 fone 41-3321-3334).  Na ocasião, o gravador fará palestra na “Hora da Prosa” da Diretoria do Patrimônio Cultural. “Caos Aparente” é uma série de 80 gravuras em metal, em pequenas dimensões, elaboradas entre 1972 89, recém-doadas pelo artista ao Acervo da Fundação Cultural de Curitiba.

A gravura de Marcio Périgo gira em torno de limites estipulados pelo próprio artista. Essas auto-imposições são encaradas por ele muito mais como desafios do que restrições, considerando o nível de excelência de sua obra. Nestes limites, um dos aspectos marcantes é o uso freqüente de chapas de metal em pequenas dimensões.
Como escreve José Mindlin, na apresentação de álbum do gravador, que parece ser impossível que um homem grande consiga gravar miniaturas tão perfeitas. Entretanto, ele consegue. Seus trabalhos – limítrofes à ourivesaria na escala, na aplicação de técnicas, no acabamento minucioso e no cuidado na elaboração – são obras de arte desenvolvidas em processo estético-artístico que lhe é único.

Sua obra me parece muito pensada – arrisco aqui uma comparação com Zen, no sentido em que uma grande clareza mental e metodologia de trabalho apontam previamente o caminho. Daí surge uma gravura teleológica*, em que tudo é arranjado para que do esforço resulte uma obra limpa e racional pelo trabalho, porém emocional e sensível na sua apresentação final.

Percebe-se que o importante para o artista é a resolução de cada gravura per si. Juntas, elas formam o conjunto “Caos Aparente”, porém ele é composto de peças individuais e individuadas, sendo que cada uma é resolvida nela mesma por meio de diferentes concepções, desenhos, técnicas e métodos. Entretanto, todas estão ligadas a uma metodologia maior – específica e própria do artista – que as suplanta e as fundamenta.

Parece-me que o artista quer provar – e o faz com louvor – sua capacidade em superar os desafios propostos, ao mesmo tempo, por ele próprio e pelos diferentes materiais e técnicas a serem resolvidos por sua argúcia e insistência em chegar até aos limites extremos – que ele acaba ultrapassando. Cada gravura me soa como um desafio vencido e aponta para a próxima obra, com o artista extraindo delas todas as possibilidades técnicas e estético-artísticas que possa haver. Na verdade, extraindo o máximo da técnica no mínimo das dimensões.

Suas gravuras se subdividem em várias linguagens artísticas aproximadas, uma vez que não importa ao artista uma seqüência obrigatória, e nem ele é cerceado por uma produção específica em determinada vertente. Comparo a uma espiral desenvolvida no tempo e no espaço na qual o artista se desloca servindo-se das diversas linguagens que estão a seu dispor. 

Deste modo, ele quebra a continuidade da série em que está trabalhando, ao intercalar outras de suas linguagens e abordar ora paisagens, ora objetos, ora rostos, lugares, estruturas ou simplesmente traços. Ao invés de outros gravadores que perseguem uma idéia tentando transformá-la em gravura, o processo de elaboração em Périgo se interioriza tanto em seu cérebro quanto para dentro do “espírito da gravura”, por assim dizer, que a execução passa a se confundir com a intenção, surgindo ambos, o processo de trabalho e a concepção tão intrinsecamente simultâneos que só podem ser explicados pela sincronicidade de Carl Jung.

Outra de suas características é nunca desvelar completamente sua gravura, sempre permanecendo uma parte em que nosso entendimento não penetra. Às vezes é a escuridão que as encobre, em outras está presente um jogo de linhas que constrói perspectivas cambiantes, ou então há recortes que pervertem o sentido comum das coisas, criando uma atmosfera misteriosa e impenetrável.

Suas gravuras ainda nos reservam uma última surpresa. Ao aproximar-se de cada uma delas, o espaço minúsculo da obra espantosamente se desdobra, e paradoxalmente se abre ali um lugar que antes não havia, ampliado pelo nosso olhar que intensifica os contrastes, descobre pormenores e encontra um mundo todo lá dentro.
 
*Argumento, conhecimento ou explicação relacionando um fato com sua causa final. “Novo Aurélio – Séc. XXI”. Ed. Nova Fronteira. RJ. 1999.