Arte contemporânea

Nilza Procopiak

O azul de Yves Klein

No Centro Georges Pompidou está aberta, até janeiro de 2007, a exposição “Yves Klein – Corpo, Cores, Imaterial”. O artista atuou em diversas áreas das artes plásticas, mas ficou conhecido por ser o inventor de um tom especial de azul intitulado IKB, sigla de International Klein Blue, obviamente sua cor pessoal.
Esta mostra, com curadoria de Camille Morineau, investe nas outras modalidades artísticas que o artista desenvolveu, principalmente para dar a conhecer a complexidade dos demais trabalhos do pintor do azul.

Filho de artistas, Yves nasceu em 1928, na cidade francesa de Nice. Seu pai, Fred Klein era pintor de paisagens e sua mãe Marie Raymond foi uma das primeiras artistas a trabalhar com o tipo de abstrato que mais tarde ficou conhecido como Arte Informal. Claro que isto o direcionou às artes desde criança, como o artista lembrou mais tarde: “fui embebido pelo gosto da pintura junto ao leite de minha mãe”.
O contraste entre o tradicional no trabalho de seu pai e a informalidade abstrata representada pelo trabalho da mãe, colocava o figurativo “versus” a vanguarda como um grande obstáculo na escolha do caminho que o jovem deveria seguir.

Talvez estas aproximações com o mundo artístico tenham sido muito prematuras para Yves que decidiu largar o ambiente em que fora criado para cursar a Ecole du Génie Civil, em Paris, para se preparar ao exame da marinha mercante. Uma vez que não conseguiu passar nos testes, ele começou a freqüentar um curso livre de judô, ofertado nas instalações da polícia de Nice.

Segundo declarações da curadora Camille à “Folha de São Paulo”, o artista valorizava muito o corpo, tendo praticado esportes e exercícios, além de ter sido judoca. Há uma série de trabalhos, intitulados “Anthropometries”, em que Yves usa o próprio corpo como “pincel vivo” explorando o gestual em expressões abstratas do azul sobre branco.

Sempre compreendi Yves como uma espécie de mago, um alquimista, lidando com poções, misturas de cores e  porque seus trabalhos em IKB, também possuem uma porosidade, uma qualidade matérica semelhante ao pó. Esta característica está intimamente ligada à questão do manipular, do fabricar, do mexer, pois percebe-se, olhando bem de perto, pequenas bolinhas em sua camada pictórica formando a textura em tridimensionalidade. fora aqueles em que o artista explora o gestual da pintura em expressões abstratas do azul sobre branco.

Este tipo de terceira dimensão passa, aos poucos, a ser manipulada com a adição de diversos elementos maiores anexados  ao suporte, como esponjas, cascalho, seixos rolados, sempre pintados na cor azul. Aqui vai um parêntesis para explicar como o artista chegou às esponjas. No início, isto é, a partir de 1956, o pintor aplicava a tinta no suporte com esponjas no lugar de rolos ou trinchas, e foi a partir daí que ele notou como a esponja ficava bonita ao ser encharcada com o líquido azul e passou a colar estes elementos diretamente na superfície do suporte.

A sua tinta IKB, patenteada em 1957 e fruto de intensa pesquisa do artista junto ao químico Eduard Adam, foi desenvolvida em Paris, durante um bom tempo até que encontrada a mistura correta que torna seu azul ultramarino uma cor fosca, intensa e ainda brilhante, com uma luminosidade que vem por detrás, do fundo do suporte.
Para quem desceu tão profundamente no estudo e trabalho matérico é muito instigante saber que ele foi um dos pioneiros da performance. Camille nos informa que, tanto Klein na Europa, quanto Allan Kaprow nos Estados Unidos da América, começaram a fazer performance na mesma época, em 1959. Mas infelizmente, Yves morreu em 1962, em Paris, justamente quando a arte da performance se tornava famosa no velho continente. Portanto, esta sua participação em performances ficou obscurecida pela sua atividade na pintura. O mesmo aconteceu com seus trabalhos em vídeo, escultura e fotografia que são o destaque e o mote desta exposição, bem como uma obra bem contemporânea intitulada “Journal du Dimanche”, realizada em 1960, em que publicou textos falando sobre balé, teatro e música.

Pouco antes de sua morte, o artista recordou um episódio que vivera em 1946 quando, em suas palavras: “eu me vi numa espécie de sonho-acordado e nele pude vislumbrar toda abóbada celeste. E daquele dia em diante eu comecei a detestar os pássaros que voavam cruzando o céu, porque eles estavam tentando fazer buracos na minha maior e mais bonita obra de arte”.

O azul, ao qual Yves dedicou sua vida, lhe deu o reconhecimento artístico mundial, ao preço do monopólio de sua arte, fato que Camille quer consertar com esta mostra, apontando o que ela considera um dos seus melhores trabalhos “Saut dans le Vide”. Traduzida por “Salto para a vida” é uma fotomontagem elaborada dois anos antes de sua morte e o artista aparece como um anjo saltando de braços abertos para o desconhecido. “A foto é um resumo de sua vida”, diz Camille.
Alguns dados do texto foram traduzidos do livro “20th Century Art – Museum Ludwig Cologne” Taschen, Köln, Germany, 1996.