É notável como a relação cultura-arte é inerente e identificada ao povo que lhe deu origem. Assim, um determinado país se mostra reconhecível através de traços específicos detectados nas linguagens de suas artes, principalmente se a produção artística refletir certo grau de artesania. Como exemplo, gosto de citar o Japão, cujos produtos – apesar da contemporaneidade do design e do uso de materiais inovadores – sempre refletem de algum modo o seu país de origem. Porém, para que esta relação funcione adequadamente é imprescindível que haja extrema liberdade de criação sem influência ou coerção de qualquer espécie que venha a interferir no processo criativo. Neste caso, o item de maior peso é representado pela própria cultura milenar entranhada na mentalidade do povo que faz com que seja preservado o espaço da criatividade, por maior que hajam influências hoje chamadas de globalizantes.
Contraposta a esta atitude há a imposição de padrões estéticos como já ocorreu muitas vezes na história em países que se tornaram vítimas de poder centralizado. O interessante é que nestes casos, apesar das diferentes localizações geográficas, diversos povos e culturas, o resultado traduzido em obras realizadas baixo este tipo de imposição oficial mantém características semelhantes em forma e conteúdo. A ufania patriótica, a exaltação de virtudes desejáveis e convenientes à política adotada por um governo centralizado e poderoso, o retorno à simplicidade da vida rural, os aspectos supostamente patrióticos raramente resultaram, ao longo da história, em obras de grande qualidade estético-artística. Assim, para circunscrever a análise de um período podemos tomar como exemplo a arte russa realizada sob o jugo do cruel ditador Josef Stalin que, no período entre 1932 e 1953, aboliu na antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – todas as manifestações artísticas que não estivessem diretamente relacionadas ou ligadas ao padrão-oficial de arte. Desconhecendo completamente a história da arte daqueles povos – agora estou falando mais especificamente da própria Rússia e dos países do Leste europeu incorporados ao território russo como conseqüência da Segunda Guerra Mundial – que já haviam trazido à luz uma série de brilhantes inovações artísticas, a arte sob Stalin foi um dos maiores casos de cerceamento ideológico que o mundo já viu. Só para se ter uma idéia, àquela altura, o abstrato, ou seja, uma das maiores reviravoltas da história da arte do século 20 já tinha sido elaborada ironicamente pelo moscovita Vassily Kandisnky (1866-1944) anos atrás.
O Realismo Socialista, a denominação oficial da arte produzida naqueles 21 anos do terror stalinista que matou mais de 30 milhões de pessoas habitantes de seus próprios territórios e dos países satélites que compreendiam a URSS, exaltava as virtudes da dignidade, coragem, heroísmo, patriotismo, sendo a maior ênfase reservada ao trabalho. Outro aspecto relevante na arte deste período foi o Culto da Personalidade evidentemente centrada em Josef Stalin e somente nele, exaltando seus “feitos gloriosos”, e retratando o ditador com traços faciais suavizados numa espécie de plástica que viria a salientar ironicamente uma bonomia jamais vislumbrada em seu rosto na vida real. Esculturas do líder soviético eram espalhadas em todas as cidades, pois ditadores se mantêm no poder devido à suposição da sua onipresença, que na verdade é alimentada pela delação de parentes, vizinhos e conhecidos sempre interessados nas posses alheias. Lembrar o escritor inglês George Orwell que dedicou os últimos anos de vida a denunciar o comunismo stalinista, em dois livros publicados em 1945 e 1949, que fizeram por acirrar ainda mais o feroz debate ideológico entre comunistas e democratas que dividiu o mundo intelectual na época da guerra fria. “A revolução dos bichos” e “1984”, no qual apareceu pela primeira vez o onipresente Big Brother, o Grande Irmão. Também o isolacionismo em que a URSS foi mantida por longos anos após a queda do Tsar Nicolau II, em 1917, contribuiu para o surgimento de uma arte fechada sobre si mesma. A isso se somava o sistema de associações de artistas que promovia a união institucionalizada dos artistas sob uma mesma orientação, aliás, uma maneira simples de acabar com a individualidade da arte. Na arquitetura oficial russa, o estilo eleito foi o neoclássico. Porém, o resultado se mostrou maculado por excessos decorativos que obliteraram os desenhos mais puros como os realizados nos edifícios ocidentais da mesma linguagem. Além disso, aquelas obras arquitetônicas não têm a mínima condição para serem comparadas com as formas puras e neutras da arquitetura moderna e “clean” desenvolvida no mesmo período do século 20 no resto do mundo.