As fotos do momento

nikp@uol.com.br

Nas salas do acervo da Fundação Cultural de Curitiba, mais
precisamente, no Solar do Barão, está aberta ao público a exposição
“Portrait” que apresenta 51 fotografias de 37 dos mais renomados
fotógrafos brasileiros. (Rua Pres. Carlos Cavalcanti, 533 – fone 41
3321-3269).

Na seleção das fotografias, da qual fui curadora, procurei destacar,
tanto em preto e branco quanto a cores, um recorte de imagens que
explorasse tudo aquilo que pode não somente definir a palavra
“portrait” quanto mostrá-la em sua maior abrangência.
Assim, as fotos vão do retrato tradicional elaborado em estúdio
fotográfico ao mais inusitado, isto é, a ausência do fotografado –
neste caso, escondido detrás de uma coluna. Dele, só são visíveis as
mãos. Entretanto, por mais incrível que se possa imaginar, o
enquadramento fotográfico fornece uma série de indícios para decifrar a
foto. Claro que não podemos definir suas feições nem o identificar e,
muito menos, reconhece-lo num grupo de pessoas. Mas, podemos declarar
que ali está um indivíduo negro, do sexo masculino, adulto, vestindo
uma camisa estampada e calças claras, levando no pulso um relógio
grande e moderno. Além disso, o conjunto destes três últimos itens – a
calça clara, o padrão do estampado e o relógio – aliado às mãos finas e
bem cuidado, dão a entender que ele pertence à elite do lugar. Na
verdade, podemos deduzir que ali está talvez um sambista do morro,
talvez um integrante de escola de samba, ou um músico. Não há maiores
indícios que se trate de um traficante, senão o fotógrafo teria
introduzido algum índice como uma arma ou uma faca.
Por outro lado, também podemos localizar a foto como tirada num local
decadente, onde restam componentes de uma estrutura – as paredes, o
chão e a coluna íntegros em suas formas, porém prejudicados na
aparência, uma vez que estão cobertos de riscos e rabiscos. Daí que, o
contraste entre o local e a pessoa fotografada, cuja identidade é
mantida no anonimato, vai indicar a clareza da percepção do fotógrafo
Celso Oliveira Silva ao sugerir a pose que resulta numa foto memorável.

Outra foto notável, desta vez pela agudeza do olhar fotográfico, é a
que ilustra esta coluna e foi tirada por Orlando Azevedo. Nela aparece
o suíço Marcos Schwartz que é primatólogo – cientista que estuda os
primatas, que vão desde os grandes gorilas, chimpanzés, macacos, aos
menores exemplares da espécie, como os sagüis.
Na composição desta fotografia destaca-se, em primeiro lugar, o olhar
do retratado fixando as lentes da câmera com um misto de interesse,
determinação, curiosidade, compreensão, paciência e bonomia. Esta
última qualidade – visível na foto e que Orlando destacou – salta aos
olhos de quem a vê, ao mesmo tempo em que indica um qualificativo
essencial à pesquisa de animais selvagens. No caso, como todo bom
pesquisador sabe, não são os animais que se adaptam ao homem, mas o
homem aos animais. Assim, este tipo de trabalho exige longas horas
entranhado nas matas brasileiras, grandes jornadas no frio, no calor ou
na chuva para acompanhar e, a essa altura da ameaça real de extinção
das espécies, conseguir alcançar e registrar os poucos e minúsculos
animais que são caracterizados pelo aspecto fugaz e velocidade no
escape. 

Quando separei a foto, foi devido à fusão entre o cabelo do cientista e
a pelagem do pequeno animal aninhado em sua cabeça. A surpresa que a
imagem suscitava e ainda o faz, tem duas origens: uma por Marcos
permitir este contato e outra por se deixar fotografar assim.

Não sabia na época, como mais tarde Orlando me contou, qual era a
relação entre o fotografado e o animalzinho, mas como a imagem
demonstra, é visível o carinho do pesquisador para com o bichinho. E
também é muito interessante o animal permanecer na cabeça do
pesquisador. Realmente, indo mais a fundo, o objeto da pesquisa não sai
nunca da cabeça do pesquisador – está sempre presente em seu
pensamento, nos artigos científicos que escreve e nas publicações
científicas em que colabora.
E também é bem significativo o fato que a imagem tenha um lado bem
escuro na sombra e outro bem claro, principalmente se lembrarmos que a
função primordial de uma pesquisa é sair da sombra do objeto
desconhecido e o levar à luz do conhecimento.