Linguagem artística – são duas palavras muito usadas nas artes visuais para designar a individualidade do trabalho de um artista. Entretanto, raras vezes este binômio é tão bem empregado quanto na obra extremamente pessoal de Marcelo Conrado. Isto se explica pelo fato de sua arte ser a representação viva e sintética destas mesmas palavras.
Um artista com bases firmemente ligadas à contemporaneidade, ele trabalha com uma série de elementos abstratos, delineados e já incorporados na obra, aos quais continuamente acrescenta novas configurações. Estas também vão ser absorvidas em sua linguagem e virão aflorar novamente, desenvolvendo uma espécie de moto-contínuo de criação, sempre avançando por uma gama infinda de variáveis na composição.
Ao contrário da obra do lituano Mark Rothko, 1903-70, que influenciou uma geração de artistas, e na qual a abstração formava campos de cor estáticos que se fundiam gradualmente uns nos outros, Conrado trabalha com o movimento e os limites. Neste aspecto, as linhas e os traços ocupam um dos principais papéis na sua linguagem, dividindo o espaço com padrões, manchas e enfatizando as fronteiras da composição, na qual formas interpenetrantes estão continuamente interferindo umas nas outras. A mútua interferência cria no suporte uma teia de configurações entrelaçadas, que dão sentido de profundidade à obra, nela deixando rastros que percorrem caminhos como se fossem mimeses da própria e inexorável existência humana, frente a inúmeras possibilidades de escolha.
Registro da passagem dos materiais – tintas e pincéis – utilizados pelo artista, estes mapas humanos também incorporam qualidades intrínsecas à obra, provenientes dos movimentos da mão do pintor durante seu trabalho: os vestígios da passagem humana. Portanto, eles surgem como resultado do gestual do pintor, fundamentando sua expressão artística, ao mesmo tempo em que sua energia corporal se transfere para o papel através das linhas e das formas, ambas abertas e permeáveis. Assim, espontaneidade e rapidez de execução, movimentos, ora compassados, ora arrítmicos, são imanentes ao momento da elaboração e permanecem integrados à obra. Seus trabalhos ressaltam a fluidez e o grafismo dos traços – características que têm raízes no desenho – e dali derivam para uma obra que se ocupa do espaço e da profundidade, além dos próprios materiais utilizados. É uma pintura-gráfica depurada, nervosa, que possui uma qualidade muito forte em sua autopresença como obra de arte. Ela se corporifica e se representa nela mesma, pois lhe subjaz uma linguagem que, apesar de não ser um código de significados, não deixa de se constituir numa gramática de formas. As pinceladas passam a configurar uma composição estética que indica claramente a questão da autoria, mesmo naquelas obras que se afastam um pouco da expressão em comum e cuja similaridade só pode ser detectada em pontos específicos. Entretanto, sua arte é tão marcante, que estes pontos escassos são mais do que suficientes para o imediato reconhecimento. O mecanismo pelo qual ele denota sua autoria é difícil de ser manejado. Não há nenhuma obra igual à outra, mas todas compartilham de um mesmo território. Ele utiliza códigos abstratos que se referem, se não a ele mesmo, à sua linguagem artística. Pode parecer uma redundância o que está aqui escrito, mas não é.
É, isto sim, extremamente árduo o desenvolvimento e conseqüente aquisição de um ferramental como este, pois ele é constituído da linguagem da pintura somada à da expressão não figurativa. Nela deve haver uma coerência de formas, de aplicação de tinta, de traçado, de gestual, de modo que a própria composição passe a assinalar, não somente a questão da autoria como a da seqüência, da seriação, da plástica.
Olhando uma pintura de Conrado e conhecendo sua obra, imediatamente a identificamos. Em outras palavras, sua pintura traz em seu âmago a questão da autoria. Âmago que pode ser duplamente definido: como componente da pintura e como referente ao próprio íntimo do artista.
A ausência de cores contrastantes ou fortes e a persistência de um padrão monocromático acrescenta – em vez de tirar – mais uma qualidade ao seu trabalho. Pois bem, se a paleta colorida facilita o trabalho dos artistas pela variedade das cores nas obras, diferenciando-as umas das outras, Conrado – ao prescindir voluntariamente deste recurso – faz com que lhe seja muito mais difícil manter a identidade de suas pinturas. Entretanto, suas obras são versões que não se repetem jamais, mas que detêm algo específico em sua criação, sendo facilmente reconhecíveis como suas, o que é extremamente difícil de conseguir em se tratando de pintura abstrata, e mais, com uso restrito de cores, e muito mais ainda, após a pluralidade de manifestações do abstrato contemporâneo. A exposição de Marcelo Conrado abre às 19h de 08 de novembro, quarta-feira, no Museu Alfredo Andersen (R. Mateus Leme, 336, fone: 3222-8262).
E hoje, segunda, acontece às 19h, o vernissage de Antonio Temporão com a mostra “Sem limites”, no Mabu Hotel (Pr. Santos Andrade, 830 – Curitiba).