Gary Hill em Curitiba

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Norte-americano nascido em 1951, mais precisamente em Santa Mônica, Gary Hill é um dos mais conhecidos artistas dos meios tecnológicos das artes visuais.
Desde a década de 1970, o artista vem usando suas instalações de vídeo para questionar as relações entre impressões sensoriais, imagens e textos. A este conjunto de fatores, o artista acrescentava sensações por meio do som. Muitos dos seus trabalhos na época estavam intimamente ligados a textos literários, cuja seqüência era propositadamente deslocada e arranjada de modo a formar um universo de situações, no mínimo, dúbias. Em suas instalações com som, luz sombra e imagem, o que era lido pelo público – nos textos com sentido truncado – não correspondia ao que era falado por vozes em surdina, criando leituras propositadamente desconexas. A palavra não-concatenada era o partido de sua linguagem artística.
Porém, em seu repertório, não somente as palavras têm vez como também as imagens, e no trabalho “I Believe it is an Image in Lights of the Other” as imagens foram transformadas no ponto focal de sua conceituação de arte.
Na Documenta IX, realizada em Kassel, Alemanha, em 1992, passei por uma experiência inesquecível na instalação que o artista apresentou.    
Apesar de ter visto pouco tempo antes a obra digital de Bruce Nauman e instalação de Bill Viola – o que foi também uma experiência que mexeu com minha sensibilidade, a obra de Gary Hill me tocou muito mais profundamente.
Em Bill Viola, o tempo é inserido na obra como um dos principais elementos das imagens que ele explora. Descendo do teto e quase tocando o chão, a grande projeção colorida, com predominância do azul, mostrava uma pessoa inteira mergulhada na água e de ponta cabeça.
Vestida com pijama ou algo semelhante, pois usava calça e blusa leves, a pessoa era movida lentamente, do mesmo modo que se supõe que o corpo de um afogado seja impelido por um mínimo de correnteza das águas de um lago, talvez. A imagem era absolutamente sedutora e me lembro de ter ficado ali em paz, quieta, absorvida pelo que estava vendo. Foi difícil sair dali.
Com Gary Hill aconteceu diferente. Num dos andares de cima do Museum Fridericianum vi uma fila em frente a uma porta e esperei minha vez. Quando abriram a porta entrei num lugar completamente escuro com uma série de imagens projetadas ao longo das paredes. Neste museu, a grande maioria dos artistas tinha espaços de exposição meio retangulares, entretanto o espaço de Hill era uma galeria comprida e estreita e o que vi me pareceram fantasmas em preto e branco.
Aos poucos, meus olhos foram se acostumando à escuridão e pude ver as pessoas indo de uma imagem à outra. Eram filmes projetados que mostravam pessoas em tamanho ligeiramente menor que o real e de diversas formas físicas, uns gordos e altos, outros magros e baixos, homens, mulheres…
Porém, o que me fez ficar completamente em choque foi que no meio das imagens, logo à direita entrando pela porta eu me vi na imagem projetada. Ou o artista selecionou uma série de tipos físicos que compreendia um universo de padrões de corpos e vestuário, ou foi sorte minha em caber exatamente na projeção à minha frente. O mais impressionante é que não somente a imagem era eu mesma – claro que não era – mas também o tipo de roupa que ela usava. Além disso, ela se mexia e vinha caminhando em minha direção, se aproximando gesticulando, falando ou sorrindo e fazendo expressões faciais nas quais também me reconheci.
Não sei se outros visitantes tiveram a experiência em nível tão profundo quanto a minha, pois também não sei até que ponto foi o grau de semelhança dos outros visitantes com as figuras, mas comigo… foi como ter visto como os outros me vêem. Aí ocorre uma inversão total de posições entre o meu self e as demais pessoas. Fiquei mesmerizada, não acreditando no que via e sem querer sair dali, além de perturbada. A imagem era ligeiramente fora de foco e, apesar de tentar localizar, não vi bem de onde vinha a projeção. Hoje creio que: a) a parede era falsa, porque seria uma tela ou tecido fino; b) o televisor ou tela ficava exatamente na minha frente e c) o projetor ficava um pouco mais atrás, mas na hora…