Herança da fabricação de malhas e dos rendilhados das armaduras
medievais, a gravação no metal acabou por se desvencilhar do uso
utilitário e da ornamentação. Daí surgiu a técnica da gravura em metal,
que trilhou um longo caminho entre artistas e ateliers de cópias – como
eram chamados – e terminou por se transformar num método meramente
ilustrativo por volta do século XIX. Neste particular, e felizmente
para nós, ela veio a ser suplantada pela facilidade da impressão
litográfica e, a partir da invenção da fotografia – que a ultrapassava
na qualidade da reprodução – readquiriu o status de obra de arte.
Continuou favorecida e foi largamente empregada pelos diversos
movimentos artísticos que caracterizaram o século XX e, até hoje, a
gravura em metal permanece como um dos principais meios de expressão
das artes visuais.
As técnicas para gravar no metal, entre as quais a água-tinta,
água-forte e maneira negra, são das mais laboriosas e se constituem,
por elas mesmas, como bem restritivas. De igual modo, o buril, o
rolete, o berceau são meios ainda mais extremos e definitivos, pois
desde o momento em que o metal é fendido pelo instrumento a seco, não
há muito que se possa fazer para reverter o procedimento.
Dois aspectos do processo de elaboração da gravura podem ser
contrapostos à pintura. No primeiro deles, me refiro à obra que nasce a
partir de cada gesto, de cada intervenção, sempre provenientes do
íntimo do autor – algo equiparado ao processo pictórico de Iberê
Camargo. A arte, então, é resultante de um produto pessoal interno
transmudado em matéria artística pelo modo mais direto possível: tela,
pincel e tintas. Um outro aspecto, sobre o mesmo pintor é que, ao
iniciar uma tela, ele não previa o término, porque a execução durava o
tempo que lhe fosse necessário para alcançar o fim – três, quatro, ou
nove, dez horas seguidas, numa atividade em que o artista personificava
sua própria determinação.
Assim, conclui-se que o resultado em Iberê é proveniente da somatória
de tentativas, uma camada pictórica refazendo a anterior, num processo
contínuo de transformações. E o final da obra advém da constatação e a
conseqüente assertiva, por parte do artista, em declarar o seu término.
Porém, ao contrário da pintura de Iberê, na gravura o artista tem que
se fundamentar numa espécie de projeto. Apesar do fato da obra gráfica
ser normalmente produto da “cozinha da gravura” – no bom sentido, ao
somar e retirar partes através de procedimentos – em qualquer
intervenção o artista tem que prever, pelo menos grosso modo, os
resultados que deseja alcançar.
Na pintura, cada camada ou intervenção modifica a composição anterior
requerendo uma nova interferência em forma de gesto expressivo. Em
Iberê, a obra se resolve no instante em que o artista considera
terminada sua elaboração, durante a qual uma grande contribuição é dada
pelo acaso, pela sensibilidade presente na execução, e pela
temporalidade embutida na obra. Porém, quase contraposta a este
processo, o ato de gravar exige controle por parte do gravador, uma vez
que na gravura não pode haver erro e determinados processos não podem
ser revertidos, pois acarretam a perda da chapa de metal e do trabalho
até ali realizado.
Nas camadas de tinta um pintor ainda consegue – em certo grau –
retroceder a variantes da obra, pintadas em etapas anteriores, pois o
resultado ótico é imediato. Na gravura em metal, dificilmente há
retorno e o gravador não tem visão direta da obra, sempre trabalhando
com a imagem invertida. Além de exigir uma impressão em papel para
mostrar o que realmente está sendo executado ou em que ponto a obra
está, há que se somar o fato da ausência ou retirada do material se
constituir como o preto, aí residindo mais uma dificuldade.
Mesmo numa superfície em água-tinta, em que o resultado, mais do que
previsível, é visível, somente a impressão vai mostrar o grau de
intensidade da tinta e, em conseqüência, se a tonalidade está no ponto
desejado. Se o gravador trabalha muito com nuances e variações do
cinza, isto vem significar mais agentes complicadores. Sem esquecer que
a gravura trata de inversões e invenções e, portanto, todo gravador é
um inventor trabalhando também no aperfeiçoamento ou derivações das
técnicas já estabelecidas.