Lapa em desenhos

Bem Paraná

“Um desenho definitivo pode, com efeito, nascer no primeiro traço, conforme o grau de definição da sua imagem mental, da capacidade de observação.” As palavras acima, escritas por Jean Rudel * em “A técnica do desenho”, são verdadeiras para os desenhos de Sérgio Serena, ora expostos na Sala do Artista Popular, da Secretaria de Estado da Cultura. (Prédio da SEEC, entrada pela Rua Saldanha Marinho, s/n fone 41 3321-4743).
  Nascido na Lapa, em 1950, na colônia São Carlos, ainda criança muda-se para Curitiba. Porém, as reminiscências de sua infância permaneceram em sua memória, acentuadas pelo amor à cidade, onde ainda possui uma chácara.
  Em processo igual àquelas pessoas que, apesar do talento nato, resistem à arte, Sérgio deixou para mais tarde o seu desenho. Entretanto, de acordo com a sincronicidade do filósofo Carl Jung, uma série de coincidências contribuiu para que Sérgio não conseguisse escapar da arte, entre elas, o fato de trabalhar na Fundação Cultural de Curitiba. Mesmo assim, com certa relutância no começo, o artista resolveu ir adiante no desenho, o que resultou agora na exposição “Casario Lapeano”, compartilhada com  Altamir Rosário.
  “Sempre gostei de casas antigas, principalmente das de madeira”, conta o artista que elabora minuciosos desenhos em nanquim sobre papel, apresentando trabalhos realistas que registram desde pequenas casas até construções maiores de alvenaria que são representativas da Lapa, cidade histórica do Paraná. Seu traço é certeiro e aplicado com conhecimento de perspectiva, mostrando que a intenção do artista é, além do registro histórico-artístico, a diferenciação de materiais com os quais eles foram construídos. E esta diferença de tratamento – por meio de traços – não é fácil de ser alcançada no nanquim; o que bem demonstra que já era tempo de Sérgio Serena começar a desenhar.
  Até o Renascimento, quando Paolo Ucello e Piero della Francesca desenvolveram o desenho da perspectiva, a questão da representação da realidade não era fácil. Ela se constituía em grande número de tentativas feitas por artistas que tudo se esforçavam para desenhar um todo que sempre lhes escapava. Mais ou menos como tentar segurar água nas mãos.
  Abrindo parêntesis, uso sempre o termo “Renascimento” – e se a escrita pudesse ter som, seria empregada a pronúncia italiana – porque é inegável neste período histórico, a poderosa a influência do espírito italiano simbolizado por seus dois gênios maiores: Michelangelo Buonarroti e Leonardo da Vinci em relação à arte dos séculos 15 e 16, que veio mudar todos os paradigmas artísticos até então. Em corolário, sou contra o termo “Renascença” usado para denominar esta época, pois este é imanente à Renascença Francesa que terá lugar tempos depois. Isto acontece porque “Renaissance” foi usada, pela primeira vez, pelo historiador francês Jules Michelet para denominar o Renascimento e tanto na língua de Victor Hugo quanto em inglês a tradução de “renascimento” é “renaissance”. Desnecessário dizer que estas são as duas línguas em que o maior número de linhas sobre arte são escritas. Portanto, este é mais uma hegemonia das línguas francesa e inglesa que, excepcionalmente, neste caso, concordam, discordando do maravilhoso “Rinascimento” em italiano, que possui  música no nome.
  Voltando à perspectiva, ela se apresenta como um campo de estudo da geometria e, em especial, da geometria descritiva, usada para representar situações tridimensionais em planos bidimensionais, como a superfície de uma tela ou papel, e também para dar a ilusão de profundidade ao olho humano.
  Então, descoberto o modo de captar a realidade visual por método geométrico, este passa a determinar na história da arte escorada na representação. Esta preponderância da realidade dura até cerca de 1914, quando diversos movimentos artísticos quebram este padrão.
  Claro que a criatividade e a contemporaneidade – principalmente no desenho abstrato – fazem contraponto ao desenho que capta imagens já existentes, mas não se pode esquecer que existem questões determinantes que unem estes dois aspectos. Mesmo linhas interrompidas, manchas e detalhes soltos num desenho abstrato da atualidade têm como fundamento os itens próprios de uma boa fatura gestual e o aproveitamento de expressões do artista. O mesmo ocorre no desenho realista de Sérgio Serena.

* Rudel. Jean. “A técnica do desenho”. Trad. Edmond Jorge. Zahar Editores, RJ.1980.